23 dezembro 2012

antenor e o exagero



Publicado em 10/08/2010 por ziulribeiro

 
“O exagero é a personalidade do observador”
João do Rio


“A Bela Madame Vargas”, obra teatral de João do Rio é a mãe dessa frase. No caso se falava da sociedade em geral, de algumas sutilezas e de alguns exageros na maneira de se perceber o outro comum para quem era por demais atento. Não era uma crítica nem um elogio, era uma constatação da personagem Belfort, espécie de “Reasoner” (se é assim que se escreve), figura que explica, comenta, apresenta a trama e ajuda a resolve-la em muitos casos.
A obra dramatúrgica é interessante, mas foi essa frase que me ficou na cabeça. Vaguei por ela por muito tempo como um problema que aos poucos foi se clareando. Há hoje em dia, e disso muito se diz, uma espécie de tédio coletivo, de pasmaceira geral, de gelatina cerebral irreversível causada por muitos fatores, entre eles: a classificação, normatização do cotidiano aliado às explicações metafísicas cada vez mais fabulares e opressoras, acabando com a possibilidade de surpresas, acasos e fatos sem explicação; a forma da mídia de tanto repetir histórias diferentes tornando semelhante o que é diverso e diverso o que é curioso; o excesso de controle e auto-controle das pessoas, de uma pseudo consciência que permite que elas achem que sabem muito e estão no comando quando na verdade estão se subjugando e se limitando nas infinitas possibilidades que a vida apresenta; a forma de tornar tudo estatístico, tornando em número o que é orgânico.
E por que essa frase tão simples trouxe tudo isso à tona?! Porque hoje não há mais exageros. O exagerado é um ser fora da ordem, um ser em estado de exceção, que lá está até apanhar e entrar no barco, ou até alienar-se de si perdendo a consciência, ou mais tragicamente, até que sua fala perca o caráter de verdade para os outros. O exagero é uma forma de observar o mundo, de saber tirar dele esse olhar pasmado, esse olhar seco, bruto, católico, sociológico e psicológico. O exagero é olhar o mundo com uma baita surpresa, como se tudo pudesse mudar a qualquer segundo e se revelar justamente nas sutilezas que só a observação permite. O exagero é, enfim, a personalidade do observador, porque só quem sair dessa “vista neutra” poderá dissolver tudo que dissemos acima: a classificação, as histórias repetidas, o auto-controle, a pseudo consciência, as estatísticas. Ele sabe que nada disso é real, é apenas uma forma regrada de tentar dizer o que tudo deveria ser, enquanto que o exagero vê além, ultrapassa a barreira dos fatos e vê o que foi mesmo que não tenha sido, percebe o crime que se comete mesmo que não se cometa. É um indignado por natureza e por isso, mais justo.
Como exagerar então? Observando, passando cada vez mais tempo olhando as coisas, esmiuçando detalhe por detalhe, folha por folha, veia por veia, gota por gota de sangue à mostra. Com isso o exagero é latente, estará lá, amigo, e assim uma nova forma de se entender o mundo.
Pensando bem, Antenor é um pouco assim.

11 dezembro 2012

09 dezembro 2012

nas sombras de dentro

dentro do meu pequeno corpo,
em um lugar que desconheço,
mora um pequeno autoritário
que deixo de lado,
faminto,
desalimentado.

às vezes, no entanto,
ele se desvia pelas sombras
das minhas reações químicas,
sinapses, transações metabólicas
e me come.

28 novembro 2012

the end of the road

não sei quem me disse
mas sei que ouvi
- e foi perto de casa -
"there is no gold 
in the end of the road".

aprendi
e não repito mais a bobagem de viajar
sem já ter dentro de mim
o cheiro dos campos
as claridades do céu
e o balanço do mar.

21 novembro 2012

maquiagem

a moça se viu pela primeira vez sem maquiagem
e levou aquela imagem até o fim.
o médico ainda acha que foi suicídio.

15 novembro 2012

cisco

caiu um cisco no meu olho
assopa
assopa
como se o sopro fosse o vento
e o cisco um barco navegando em mim.

12 novembro 2012

o que eu nem sei

parece que não sei escrever mais coisas novas ou as antigas ficaram pesadas demais só resta então uma frase assim sem ponto nem beira nem encanto pra tentar dizer o que eu nem sei

08 novembro 2012

Gretas


No fim de semana tive a ideia de um personagem infantil. Criei um nome como piada. No domingo, eu e Luisa Bertrami começamos a desenhar esse personagem e para ele criamos um amigo. Ela, de brincadeira, deu o nome do amigo de Gretas. Achei sensacional porque Gretas significa fenda, espaço por onde se passam ar, água, é uma zona permeável de transição.
Resolvi na segunda escrever tal história. Na quarta, já tinha a primeira parte pronta com 38 páginas. Luisa, enquanto eu escrevia, fazia as lindas ilustrações.

Gretas é um porco e seu amigo é um Guaxinim. Gretas foi expulso da fazenda da Revolução dos Bichos, Guaxinim vivia sozinho sem família na floresta. Ambos são desenhados por um menino solitário e um boneco de um ex-gordo.

Trata-se apenas de uma brincadeira, de um jogo com histórias infantis. Espero que curtam e leiam para seus primos, filhos e afilhados. Fica para download no link abaixo.

Link Para Download: Gretas - Primeiras Histórias de um Porco e um Guaxinim

07 novembro 2012

Querida, Voy a Comprar Cigarrillos y Vuelvo




O mito de Fausto me parece uma espécie de tela em branco que possui pequenos milhares de caminhos traçados para imersão no tema. Não sei ao certo e creio que posso ousar dizer que nunca saberei do que trata o mito, ou provavelmente vou assumir no decorrer do caminho que o mito de Fausto trata de absolutamente tudo, só importando de onde se esteja olhando.
Querida, voy a comprar Cigarrillos y Vuelvo de Mariano Cohn e Gastón Duprat é uma adaptação do mito, que diferente das adaptações contemporâneas que tenho visto, se preocupa com o tempo. Ali, mais que em outras, não se pretende dar a um homem de conhecimento intelectual o conhecimento de seu corpo, nem ao menos dar a ele fama ou glória ou mulheres, mas sim, coloca-lo diretamente com o tempo, com o seu tempo eterno e circular de uma vida que passa iminentemente para a morte, mas que ao retornar também não apresenta saída.
O Filme começa em Marrocos, com bodes em cima das árvores, em um mundo semi-mágico onde um árabe ao atravessar o deserto é atingido por um raio e logo em seguida por outro. Desmontando o lugar comum de que “a chance de cair um raio em uma pessoa é uma em um milhão” e “um raio não cai duas vezes no mesmo lugar”, esse sujeito é premiado em segundos com a morte e a ressurreição para a vida eterna. É o Mefisto da obra, que em Querida voy a comprar... é chamado InMortal.
Esse sujeito viaja nos tempos, espécie de Caim, fazendo pactos com seres a fim de se divertir. É quando oferece a Ernesto, um argentino como qualquer outro, a chance de voltar ao passado para conserta-lo e, depois de 10 anos, retorna-lo para aquele momento com um milhão de dólares.
Então, o caminho de Ernesto, creio eu, passa a ser da vivência de uma via crucis às avessas em que primeiro volta alguns anos atrás para poder se redimir da morte de sua mãe e recebe um “não” para seu perdido de perdão. “Velha desgraçada”, esbraveja. Parte então para tentar montar o que seria o primeiro reality show de todos os tempos. Fracassa. Tenta avisar aos EUA sobre o ataque às Torres Gêmeas no dia anterior, não o levam a sério, mas depois prendem e torturam. Pede ajuda e InMortal salva.
Faz então sua segunda viagem, um pouco mais para trás, enquanto jovem. Foge de casa e plagia a canção Imagine de John Lennon. Ganha fama, casa-se com uma bela loira, mas é condenado por plágio e, por se sentir injustiçado, vai para os tribunais esbravejar sobre o  mundo. Tido como louco, é internado num manicômio. Lá, há um doutor, diz a frase mais bela de todo filme:
“Todos vocês me dão nojo. Mas são muitos. E essa é sua vantagem. Ficam amontoados nos ônibus, ficam ajoelhados nas igrejas, trabalham, acumulam para suas crias. Mas eu sou diferente. Sou feio. Sujo. Sou prejudicial. Tenho medo, doutor.”
Aí vem sua segunda morte, suicídio. Quando é condenado por InMortal a viver seus últimos anos de pacto como criança, desde bebê, vivendo em uma espécie de escafandro de si próprio, onde só lhe é permitido pensar. Tudo isso é entremeado por inserções narrativas do autor do conto em que o filme foi baseado, Alberto Laiseca. Dando suas opiniões, ele vai recolando Ernesto no lugar de deslocado do mundo, dos outros, como um perdedor, um looser, um outsider, alguém que deveria ter sido escondido da sociedade ou não permitido nascer.
O pacto entre Ernesto e InMortal é o pacto do tempo. Um gostaria de ter outra chance, outro dá lhe a chance. O resultado é o mesmo dos outros pactos: não é a força, a chance, o tempo, o corpo ou o amor que podem redimir quem quer que seja. Não há remissão, essa impossibilidade é inválida. A vida é por demais desordenada e caótica para permitir que se façam planos, projetos e mudança.
Querida, me voy...é mais uma obra dos homens abandonados por Deus, mais uma obra em que a personagem duplica a imagem de Jesus em um mundo hostil rumando para a desgraça eminente, como ordem de seu criador. Ao mesmo tempo em que o Diabo, Mefisto, mais terreno, tenta olhar a dor do homem e tentar compensa-la com prazer, também terreno. Não há saída.
Ernesto, quando volta para o tempo atual, resolve entregar o dinheiro à sua esposa e sair, sumir, fazer outras coisas, mas já não há muito o que fazer. A idade, a dor, a certeza de inutilidade da ação. O mundo é sempre muito maior. Inmortal vai, viaja e encontra outro, outro que precisa de tempo.  Que tempo? Um que agora sabemos que nem existe.
No fim, Laiseca diz que Ernesto volta para a vida“como um porco que anda todo podre.” E finaliza:
“Cada vez penso com mais convicção que uma pessoa, só pelo fato de fazer aniversário, já é um malvado. As diversas idades de um homem, eu as denominaria de campos de concentração. A cada ano um arame farpado a mais. Trinta já é Auschwitz. Falo sério.”
É esse o tempo. É esse o tempo de que ele fala. O tempo de uma imagem recorrente, o tempo de uma tartaruga.

06 novembro 2012

A Náusea - A exposição



 A galeria Van Dijk no Centro de Cultura recebe a exposição A Náusea de Ingrid Bortolotti e Pedro Prieto. A Náusea é uma obra existencialista Jean-Paul Sartre em que a personagem principal em diversos momentos de se cotidiano é tomado por uma espécie de mal estar súbito, físico e psicológico, que lhe dá uma nova concepção do mundo que lhe cerca, assim como das pessoas e das situações que se apresentam. Interessante é que essa Náusea, ataque quase convulso beirando uma crise epilética, é a forma que se torna preponderante da visão que esse sujeito obtém daquilo que é a matéria, a vida e a existência.
Pouco posso dizer da obra de Pedro, pois não tenho qualquer contato prévio com o autor e suas obras, mas gostaria de falar algumas palavras sobre o trabalho de Ingrid Bortolotti. Começo chamando atenção para duas palavras para, posteriormente, explorá-las: Tormenta e Permeabilidade.
Parece-me que todas as esculturas de Ingrid estão investigando aquilo que é o limiar entre matéria e espírito, substância e reações químicas, pensamento e sentimento, ou seja, aquilo que é visível e aquilo que, apesar de invisível se faz presença pela sensação de ausência. Uso o termo permeabilidade porque vejo as esculturas de Bronze e Terracota, como uma espécie de obstáculo para o pensamento, obstáculo para a arte, como se ela, na composição da obra precisasse superar a matéria e atingir algo que está ao mesmo tempo um nível acima, naquilo que seria espiritual da matéria, mas ao mesmo tempo abaixo, com os dejetos e pedaços mais sórdidos do que se chama humano.
A permeabilidade, então, se torna o procedimento de composição de orifícios, ou seja, construção de zonas de fronteira, de limbo, entre o exterior e o interior. É nesse momento que chegamos ao segundo ponto:  a tormenta.
A tormenta, nas obras, tem a mesma característica da permeabilidade com a diferença de que, se a permeabilidade tem a ver com a matéria em si, a tormenta faz parte da lógica do espírito, dos sonhos, dos pesadelos, do inconsciente, ou seja, daquilo que não pode ser controlado pela racionalidade do instinto material. A tormenta nas esculturas de Ingrid tem como papel abrir esses orifícios, zonas de ausência, de falta, de presença do não, para que, tanto no corpo como na mente, a Náusea mostre suas asas e alce seus voos.
Nesse sentido, é preciso destacar o caráter biográfico da obra, uma vez que muitas das esculturas parecem duplos, alteregos e reproduções de fases de Ingrid. Assim, experiências desde as mais comuns como o frio até impossibilidade do verbo, da palavra, por um corpo dilacerado, se tornam presentes em espécies de fragmentos que devem ser lidos em um contexto único.
Enfim, destaco a excelência da beleza do trabalho de Ingrid Bortolotti e a quantidade de proliferação de questão que ela traz a tona. Como observação final deixo apenas um pequeno gesto de dizer que, embora toda a exposição deixe ver um sujeito esfacelado pela experiência cotidiana e pelo mundo interior, tornando essas zonas de fronteira uma espécie de violência à paz do corpo, Ingrid conseguiu ao juntar todos os fragmentos dar uma nova unidade ao mundo, que é pequena, que vale apenas na galeria Van Dijk do Centro de Cultura de Petrópolis, mas que de alguma forma, não deixa de nos habitar, pelo menos um bocado de tempo depois.


A Náusea
por 
Ingrid Bortolotti e Pedro Prieto
A exposição fica até dia 25 de Novembro de 2012
Centro de Cultura Raul de Leoni

Mundo, Sítios e Sonhos



Estou disponibilizando para download a peça chamada Mundos, Sítios e Sonhos que escrevi em 2011 especialmente para os alunos da PIEE da Fundação Bradesco onde trabalhei. A peça é baseada em partes na obra Reinações de Narizinho, mas não deixa de ter minhas idiossincrasias, piadas e meu jeito de escrever. Para quem quiser ler, vou postar aqui o link que a partir de agora também ficará disponível aqui ao lado na barra de favoritos.


Link para download: Mundos, Sìtios e Sonhos - Luiz Antonio Ribeiro (2011)

04 novembro 2012

a moça das coxas grossas



A moça das coxas grossas
Do belo rebolado da anca
Do quadril que se prolifera de quadrilidade
Assa nas coxas grossas que dão feridas
Sangram, ardem, doem.
E as feridas das coxas grossas
Soltam secreções de todo tipo:
Pus, líquido espesso, suor
E os três se misturam ao odor natural
Do líquido lubrificante da moça das coxas grossas -
Que grossas coxas sempre vem junto com um bocado de tesão –
E quando passa, a moça expele um cheiro ruim
Que ninguém nunca jamais percebeu ou perceberá
Porque as coxas grossas da moça que passa assada
(seu andar se modifica e melhora por conta da assadura)
São quase vertigens em meio ao caos do dia
São promessas de possibilidades de uma nova vida
Ai, moça, passa, passa
E assa meu coração
Que como tuas coxas
É ferido.

26 outubro 2012

saudade

Saudade é um prato de carne
servindo legumes e peixes frescos
no almoço de amanhã

é o som que escapa
da caixa estourada do tímpano
do último maestro vivo

saudade é um tiro na cara
sem arma, sem bala
sem cama, sem gente
sem tempo
sem espaço
sem luz

25 outubro 2012

hostil

Olhei para a menina e disse:
- o mundo é muito menos hostil do que a gente pensa.

Só não sabia eu que a menina, em nenhum momento, nem por um segundo, havia pensado que o mundo era hostil.

Agora ela pensa.


chocolate

Me pediu um chocolate e um telefone.
Tinha o telefone. Dei.
Ela ligou, sorriu e foi com água na boca.

24 outubro 2012

geladeira

a geladeira que não gela
é geladeira
e não gela,
mas fica lá, inerte
totém de cozinha
gemendo, acordando,
puxando luz
e mantendo a coca-cola quente que mesmo assim eu quero beber.

a moça mordi

a moça do meu lado
de lado
de braço farto
gordinho, pesado

me encontrava
entre manter-me em pé
nos postes do ônibus
e me jogar naquele braço
sem olhos, sem face, sem jeito.

não tive saída
fui
mordi.

23 outubro 2012

barquímetro

Um homem anda pela orla da Urca, olhando da mureta a paisagem do Flamengo e de Niterói lá do outro lado da Baía de Guanabara. Observa os barcos, todos pequenos, com aquele colorido descolorindo. Os grandes dos ricos não lhe interessam, parecem artificiais em seu branco hospitalar.
Quem passa por ali e observa aquela cena quase consegue ouvir uma bossa-nova. O homem desce por uns degraus e entra em um barco qualquer. Senta-se, olha para o rapaz do barco, um marinheiro semi-rude, tatuado, camisa suja.
Niterói, por favor!
Oi?
Quero ir pra Niterói. Vamos!
Meu senhor, acho que está havendo algum engano.
Engano nenhum. Está vendo ali ó, lá no fundo, depois da ponte? Vamos!
Eu já terminei meus serviços por hoje.
Vamos lá, só essa, só mais essa, liga aí o barquímetro.
Barquímetro? Olha, meu senhor, acho que você está com problemas. Aqui não é um taxi, é um barco. Vou ser obrigado a pedir para o senhor se retirar.
Mas...quanta grosseria...só queria ir alí, até Niterói.
Senhor, sai do meu barco ou vou retira-lo a força.
Tudo bem, tudo bem, eu saio.

O homem levanta e se retira, cabisbaixo, triste. Some na rua, andando pelo asfalto sem nem mais olhar para a orla. O marinheiro ajeita algumas coisas no barco, está pronto. Retira um pano de um canto e se pode ver algo como um taxímetro. Aciona o motor que ruge atrapalhando o silêncio da tarde da Urca. Desestaciona o veículo e pelo mar vai sumindo no horizonte. Suspira, sussura, se houvesse alguém por perto quase não poderia ouvir: vamos lá, Niterói!