26 outubro 2012

saudade

Saudade é um prato de carne
servindo legumes e peixes frescos
no almoço de amanhã

é o som que escapa
da caixa estourada do tímpano
do último maestro vivo

saudade é um tiro na cara
sem arma, sem bala
sem cama, sem gente
sem tempo
sem espaço
sem luz

25 outubro 2012

hostil

Olhei para a menina e disse:
- o mundo é muito menos hostil do que a gente pensa.

Só não sabia eu que a menina, em nenhum momento, nem por um segundo, havia pensado que o mundo era hostil.

Agora ela pensa.


chocolate

Me pediu um chocolate e um telefone.
Tinha o telefone. Dei.
Ela ligou, sorriu e foi com água na boca.

24 outubro 2012

geladeira

a geladeira que não gela
é geladeira
e não gela,
mas fica lá, inerte
totém de cozinha
gemendo, acordando,
puxando luz
e mantendo a coca-cola quente que mesmo assim eu quero beber.

a moça mordi

a moça do meu lado
de lado
de braço farto
gordinho, pesado

me encontrava
entre manter-me em pé
nos postes do ônibus
e me jogar naquele braço
sem olhos, sem face, sem jeito.

não tive saída
fui
mordi.

23 outubro 2012

barquímetro

Um homem anda pela orla da Urca, olhando da mureta a paisagem do Flamengo e de Niterói lá do outro lado da Baía de Guanabara. Observa os barcos, todos pequenos, com aquele colorido descolorindo. Os grandes dos ricos não lhe interessam, parecem artificiais em seu branco hospitalar.
Quem passa por ali e observa aquela cena quase consegue ouvir uma bossa-nova. O homem desce por uns degraus e entra em um barco qualquer. Senta-se, olha para o rapaz do barco, um marinheiro semi-rude, tatuado, camisa suja.
Niterói, por favor!
Oi?
Quero ir pra Niterói. Vamos!
Meu senhor, acho que está havendo algum engano.
Engano nenhum. Está vendo ali ó, lá no fundo, depois da ponte? Vamos!
Eu já terminei meus serviços por hoje.
Vamos lá, só essa, só mais essa, liga aí o barquímetro.
Barquímetro? Olha, meu senhor, acho que você está com problemas. Aqui não é um taxi, é um barco. Vou ser obrigado a pedir para o senhor se retirar.
Mas...quanta grosseria...só queria ir alí, até Niterói.
Senhor, sai do meu barco ou vou retira-lo a força.
Tudo bem, tudo bem, eu saio.

O homem levanta e se retira, cabisbaixo, triste. Some na rua, andando pelo asfalto sem nem mais olhar para a orla. O marinheiro ajeita algumas coisas no barco, está pronto. Retira um pano de um canto e se pode ver algo como um taxímetro. Aciona o motor que ruge atrapalhando o silêncio da tarde da Urca. Desestaciona o veículo e pelo mar vai sumindo no horizonte. Suspira, sussura, se houvesse alguém por perto quase não poderia ouvir: vamos lá, Niterói!

22 outubro 2012

Por que o voto nulo no segundo turno em Petrópolis?



A resposta parece complicada, mas é bastante simples. Primeiro, achamos que o voto nulo não é desperdiçar o voto, não é se omitir da escolha nem abdicar do direito e deixa-lo nas mãos de quem resolve votar. Também achamos que votar no menos pior, nesse caso, não se sustenta como solução.
Somos um grupo que não tem o voto nulo como bandeira. A maioria de nós jamais ou raramente anulou o voto e, mesmo no primeiro turno, resolveu escolher algum candidato que, se não era o ideal, era o que mais se adequava com nossa ideia de política.
O voto nulo proposto por nós para o segundo turno em Petrópolis tem dois motivos. Um específico e outro mais amplo. O primeiro é toda a confusão, batalha judicial mais desonesta que baseada na lei e na politicagem que deu a composição dessa eleição petropolitana desde a apuração do primeiro turno. Os veículos de informação não conseguem dar conta da totalidade da questão de forma a esclarecer aquilo que se precisa e, em alguns momentos, também não se mostram interessados nisso. Os candidatos que nos são apresentados parecem ter mais em comum do que se imagina e somente por conta das denúncias que são expostas cremos já ter motivo suficiente para não confiar e descrer no quadro para qualquer lado que se olhe.
O segundo ponto, e talvez o mais importante é: não compactuamos com o projeto de cidade proposto por eles. Cremos que a política limitou o cidadão, enquanto ser capaz de participar da democracia e do debate pela sua cidade, estado, país, em um ser que se limita a escolher seu candidato, o menos pior no caso, e aplaudi-lo ou, do outro lado, reclamar dele desorganizadamente, sem foco, o que gera somente um fato: ao fim das eleições se substitui esse por outro que também provavelmente não nos satisfará.
A Primavera Petropolitana, então, pensa em buscar reorganizar a sociedade civil através do debate básico de que concepção de cidade queremos para nós e de que forma, tanto eu quanto você podemos construir nesse debate e, principalmente, como podemos intervir na prática naquilo que não concordamos.
O voto nulo, dentro de toda essa visão exposta acima, nos parece a principal forma de mostrar aos que governam que não estamos satisfeitos com aquilo que nos foi e é apresentado e que nossa concepção de cidade, nosso projeto para nosso povo e nossa terra não passa nem perto daquilo que nos é oferecido. O voto nulo, nesse caso, é um gesto afirmativo, político, engajado, que visa mostrar nossa cara e dizer que assim não queremos e, aos poucos, podemos mudar.

20 outubro 2012

mal ou bem

não importa ficar mal
ou ficar bem
com aquilo que a gente não tem.

anti poesia de amor

nenhuma poesia de amor
pode ser escrita com boas palavras
bons momentos e bons pensamentos.

toda poesia de amor,
antes de tudo,
não é amor.

porque amor, quando é,
não dá tempo de poesia
filosofia, corpo, pensamento
alma, empada, tristeza.

nenhuma poesia de amor
dá conta do amor.
e nenhum amor dá conta
de tanta poesia.

quem ama com poesia
sempre paga
a conta
do fim
do amor.

19 outubro 2012

a nova política



Cara ou coroa? Vivo ou morto? Oito ou oitenta? Céu ou inferno? O senso comum, a cultura da afirmação, os jogos, a religião, enfim, aquilo que compõe nosso imaginário fez e faz com que pensemos o mundo a partir dessa configuração binária, antitética. No entanto, não é possível que ainda hoje se consiga pensar tudo através desse prisma rudimentar entre afirmação e negação, mesmo porque, olhando a fundo, entre cara e o coroa há todo o voo da moeda e entre o vivo e morto há toda uma vida.
Em política, especificamente, a polarização faz parte do jogo do mesmo. Uma dialética vazia que tenta nos fazer crer que nosso papel está na escolha daquele que mais nos cabe ou na exclusão daquele que não nos agrada. Então, pensar política, pelo menos na cabeça daqueles que mandam, é nos dar a opção entre escolher qual deles que nós queremos por lá. Assim, tudo se mantém e nós nos mantemos como membros não-participantes da política do lugar em que vivemos.
O que afirmo aqui é: eu parto do pressuposto do não, da negação, de não querer, de subverter, de blasfemar, de debochar, de desapoiar, de ir de encontro a, de remar contra a maré, de pensar que entre os sins deles, o meu não vale mais que qualquer outra coisa e, justamente por isso, não existe nada de afirmativo nessa conjuntura e nada me fará pensar neles como solução.
Vejo que muitos pensam como eu. A verdade é que a política está mudando, o que não mudou, AINDA, foram os políticos. Não é possível que um filhote do poder seja criado, enquanto que um sanguessuga, como mosca numa carniça, esteja novamente a procura de seu quinhão.
Vamos à uma nova política, do debate, da participação, da rua, da ausência de dinheiro, da consciência, do sorriso e, também, por que não,  da brincadeira. A nova política é democrática não porque a democracia deve ser algo a perseguir, mas porque a verdadeira democracia existe numa prática menor, das pequenas escolhas e dos pequenos gestos gentis de um para com o outro. E que esse gesto se multiplique e que vivamos momentos de melhor sorte e melhor chance e melhor sonho.
Política é coisa pra gente grande sim, mas todos sabemos que pra um bom coração é preciso, pelo menos um pouco, parar de crescer.

17 outubro 2012

o sapo




Quando deu por si estava segurando um imenso sapo nas mãos. Olhou para os lados e não sabia onde estava, não reconhecia nada nem ninguém, via apenas o concreto armado das construções e as pilastras de um galpão aberto logo a frente. Olhou para o céu para reconhecer se ele existia ainda e sim estava mesmo ali, mas só podia ver um imenso nublado cinza escuro, cara de que vai chover, e uma pequena parte mais clara que deve ter sido em algum momento o sol.  Olhou então para o chão para reconhecer o asfalto, também cinza, fato que lhe acalmou, pois dos três lugares que havia olhado reconhecia dois, o céu e o chão.
Agora era tentar descobrir o que fazia com esse sapo nas mãos. Resolveu olhar mais atentamente. Estava morto, de barriga pra cima, inchada, mais branca que o resto verde. Não tinha qualquer movimento ou espasmo, nem parecia ter sofrido qualquer violência física. Mantinha a boca aberta como uma modelo fotográfica, o que podia significar que talvez tenha morrido sem ar, por asfixia, quem sabe.
Isso que parecia agora sem solução, pensou, devia ser o mote de seus passos daqui pra frente. Apertou ligeiramente o sapo, que gosmento, emitiu alguns barulhos e resolveu entrar no galpão.
Estava vazio, era imenso e não possuía qualquer rastro de vida, muito menos vestígios de sapo. Tentou puxar na memória algum retrato daquele lugar, mas tudo que conseguiu foi uma imagem de filmes em galpão, Cães de Aluguel, talvez, não se lembrava bem. Suspirou alto e percebeu o eco que aquele ambiente fazia. Resolveu, como em uma igreja, falar consigo mesmo na esperança que alguém ouvisse.
“Você que não está aqui e não me ouve, que me poderia servir de memória e me lembrar dos passos que tive e não lembro. Você que poderia tirar de minha mente a dúvida de ter matado esse animal ou não. Você que não sabe se tentei salva-lo ou se fui seu algoz e, principalmente, você que não sabe do meu destino, dos meus pensamentos, dos meus gestos e de tudo que faço sem nem saber que faço, devia tentar pensar em mim como alguém que é incapaz de estar onde está. Por que, dentro da lógica, estaria eu aqui nesse galpão segurando um sapo, olhando pro alto e girando falando com o nada ou com ninguém? Por quê? E o som que eu ouço é seu, repetindo minhas perguntas e jogando-as todas diretamente na minha cara, com um deboche silencioso de dia nublado. Até esse sapo, que não sei de onde vem é um verdadeiro deboche pra cima de mim, mas já sei, é ordem minha, ou sua, devo acatar aquilo que se coloca na minha frente, devo pensar que tudo que vem, vem por uma mentira. É mentira, eu sei, mas é a regra do jogo no lugar em que vivo. Sem mais palavras pra você, que sempre se cala, me calo.”
No mesmo instante, quase de alma lavada, sai do galpão por uma porta que até então não havia visto e anda pela rua, uma rua qualquer por onde as pessoas observam o sapo em sua mão. Algumas crianças pedem pra olhar mais de perto e até tocar, se possível. Alguns mais velhos dizem que ele devia jogar isso fora porque isso é mau sinal, outros, mais educados dizem que um sapo morto assim essa época do ano é problema climático, tem que ser, essas estações do ano todas trocadas. A verdade é que ele anda e algumas pessoas o acompanham com o olhar, meio que de longe, como que tentando entender pra onde vai o sapo e pra onde vai o sujeito e aonde um vai se encontrar com o outro. Ambos não sabem, ambos não se guiam. Está tudo em silêncio entre os dois.
Senta em um banco de praça, agora sozinho, sem os olhares das pessoas e coloca o sapo junto a seus pés, no chão. É quando repara em suas mãos, esverdeadas, gosmentas, com uma pasta pegajosa espalhada por todo lado. Sem tempo pra pensar, lambe aquela gosma, e o verde sai de sua mão se depositando diretamente em sua língua.
Na mesma hora, sua memória volta ao lugar. Lembra-se de tudo, do que fazia com o sapo, daquele galpão e porque o bicho havia morrido, assim de boca aberta e barriga pra cima. Precisa contar pra alguém, lembra até de uma pessoa pra contar. É urgente, procura seu celular, não acha. Levanta, sai correndo, vai. O sapo fica.


14 outubro 2012

como máquinas

animais sempre me entediaram
zoológico, então, é o berço do nada pra fazer.
um pássaro, mesmo que belo, nada me diz
um cachorro ou um hipopótamo, tanto faz

animais se arrastam
não tem alma
animais olham
e nada veem

são como máquinas

09 outubro 2012

a morte

queria me matar
pulei da janela
era sonho, não morri

apesar disso, acordei
e me senti caído
morto, des-anjo.

não resisti,
me matei:
renasci.

05 outubro 2012

das tentações

Cada vez mais cedo à tentação de me agradar. Já foi um tempo em que achava legal qualquer tragédia e via nela uma valorização da minha vida mais ou menos. Hoje mais ou menos é a melhor coisa do mundo e qualquer êxtase é inventado por alguém que quer ou me obrigar, ou me vender ou me diminuir com alguma coisa. Não acho que o caminho do meio seja o melhor e nunca achei, mas também não vejo nem no otimismo nem no pessimismo uma saída. Sejamos realistas, vejamos a vida de um jeito são, sem dogmatismo, sem misticismo e veremos que o que existe é nosso corpo. Portanto, de corpo em corpo enchamos a vida que é pouca.

04 outubro 2012

a benção impossível

Veio a mulher e me disse
- Hoje você está impossível -
e como numa benção que não acredito
impossível fui.

desaprender

O segredo da vida é desaprender. Desaprender a correr, a trabalhar, a agir, a falar, a argumentar, expor opiniões. Depois desaprender a dizer e a pensar, juntas assim como quem não sabe pra onde vai cada uma. Até que pouco a pouco exista apenas um rumorejar de vida, um sussuro de palavra e um lapso de gesto. Ali, nesse momento que quase nem existe, mas é de carne, que vai se colocar a vida. É ali que vai pulsar aquilo que é seu. Ali, exatamente ali, em um lugar que eu não faço ideia de onde é, mas já aprendi a palavra pra dizer, que é pequena, duas vogais e a consoante do meu nome. a vida é desaprender ali.

02 outubro 2012

do mar

no banheiro,
vejo seus shampoos na pia
e sua bolsinha no chão.

penso em tirar tudo
e guardar em qualquer cantinho bem guardado:
não o faço.

não me esforçaria guardar
e não me incomoda deixar,
mas pra que mexer e mudar
se não estamos no embalo
gostoso do mar?

de hoje

regra pra poesia:
se soa poético, não serve.
se é grande demais, está mal.
se é diretamente pra alguém, errado.

a poesia,
pelo menos a de hoje,
deve ter algo de graça
de imprestável
de impossível.

e que passe do maior sentimento
pra maior brincadeira.

porque poesia
poesia mesmo mesmo
não é coisa da alma
mas coisa do corpo
brigando consigo mesmo
pra dizer que a briga é boa
e que a vida é inevitável.