28 dezembro 2007

ano novo

Quando virar a meia noite do novo ano, quando virar 2008, quando virar o tempo fatiado, quando virar, se virar lento ou virar bêbado, ou virar triste, ou virar azul, não importa, quando virar que eu vire estrela, vire amigo, vire troféu ou vire mendigo, não vire gay nem vire as costas pra não..., vire mais padre, mais santo, menos pouco, mais muito, menos isso ou aquilo outro e mais esse, virar mais calmo e mais na paz, virar um pouco papa, já que de branco, na verdade virar religioso, chegar em 2008 sentindo coisas espirituais quaisquer daquelas que não se sabe definir, quero sentir algum infinito na virada, sentir um sublime, com todos os sublimes que me fazem entender. Virar o ano mais puro, acordar e tomar leite, preciso tomar mais leite, eu gosto. Virar o ano entendendo menos das coisas, e refletindo cada vez mais sobre o menos delas e ir cada vez mais fundo naquilo que eu sei que me mata, mas que nunca me deixa ficar longe de mim e comigo, virar o ano e se possível lembrar dela, e depois dela, e depois outra ela, e sorrir, se assim puder e der, lembrar que lembrei, lembrar que estou lembrando e ainda não esqueci, lembrar e pensar e querer estar. Passar a virada fazendo muito e esperando o ano novo que vem, virando, virado, mas vem, e que comece leve, e só pese mais pro final.

22 dezembro 2007

Eram azuis.

Aquilo tudo acontecera algum tempo atrás, mas ela já vivia hoje. Acontecera ou começará a acontecer, não está bem certo se aquilo ainda acontece ou se fora somente uma bandeira uma vez hasteada que deixou rastros por todos os cantos onde e por onde o vento perdeu velocidade, sem nunca perder intensidade. Estava úmida e estava pesada. Sentia um peso enorme das cortinas ao lado em seu peito. Eram azuis. Não estava deitada nem sentada, recostava-se de um jeito displicente que causava algum desconforto. Vez por outra parecia emitir um gemido, que no quarto vazio da cortina azul pesada se propagava e se perdia em meio aos móveis e ao edredom. Ali sabia o que esperava ela sem saber o que chegaria pela porta, mas sabia o que esperava. Esse saber vinha muito mais de uma força e de uma confiança no acaso do que de qualquer certeza que tinha. Se ali deitasse dormiria como ninguém, então se abaixou, e vazia, como ninguém, dormiu.

21 dezembro 2007

ônibus

Todas vezes poucas que tive senti um risco físico real ou que eu aparentava ser real jamais senti tristeza, ou medo, ou alguma coisa que me afastasse da vontade de morrer na verdade desde sempre gostei disso que sentia e já percebi algumas vezes que foi isso que salvou alguns dos meus dias do marasmo e do mais do mesmo ontem no ônibus não sei porquê raios ou porquê motivo ou por quê eu senti de repente uma imensa força em mim dizendo vai acabar e eu olhei pra janela e vi as luzes das casas pobres e sorri sentindo uma felicidade imensa de poder ter compartilhado de todas essas coisas naquele momento daí olhei as outras pessoas no ônibus nenhuma delas compartilhava daquilo comigo e finalmente percebi que aquele ônibus não ia bater e nada iria acontecer mas ontem percebi que o dia da minha morte não vai nem um pouco doer.

10 dezembro 2007

talvez pela ficção

Essa história fictícia de amor, talvez pela ficção do amor, talvez pela ficção da história, começa quando ela resolve nunca mais querer voltar para ele, não querer ser mais dele, a partir de então, ela vai ser mais bonita, mais sorridente e mais engraçada, todos gostarão mais dela, e talvez ela até seja mais feliz. Nos caminhos, ela terá muitos, bastantes, e trocará deles sem intervalos, não conseguirá nunca mais não tê-los e não seduzi-los. Essa história fictícia de amor, talvez pela ficção do amor, talvez pela ficção da história, termina quando ela resolve nunca mais querer voltar para ele, não querer ser mais dele e apesar dela agora já não ter tanta certeza disso, jamais voltará atrás.

09 dezembro 2007

aquela vez

havia a poeira e nenhum ruído somente o que foi que ela lhe disse veio partiu foi isso assim veio partiu veio partiu ninguém veio ninguém partiu apenas veio partiu apenas veio partiu



beckett

05 dezembro 2007

não fosse trabalho seria poema

Os espaços não são negados, nem as presenças, nem as torrentes, nem os pensamentos, nem as repetições, nem os hábitos, nem os vícios, nem as mesmas palavras, sendo ditas insistentemente, e se retomando e se repetindo formando novos horizontes e novas expectativas, mantendo tudo incerto e inexato, mas absolutamente coeso, numa coesão tão absoluta que apesar de tudo ainda se diz haver uma unidade. E apesar de tudo isso, ainda se nega uma coisa: o “eu”, essa instância discursiva vazia, só elucidativa quando enunciada. E negar o “eu” e não negar todo o resto é algo determinante.