18 maio 2018

PEDAGOGIA ALEATÓRIA



APRESENTAÇÃO:

Sempre que se pensa em aprendizado, vem-nos a mente uma ideia dupla: por um lado, aprendemos com quem nos ensina, na escola, com os pais ou, até, de forma autodidata, com os livros e meios tecnológicos disponíveis para pesquisa. Por outro, há no senso comum a ideia de que aprendemos “com a vida”, ou seja, que no trajeto de viver, estamos diante de uma série de situações que se interpõe em nosso caminho e nos faz, tal como barreiras em uma corrida, encontrar meios, saídas, caminhos e linhas que nos permita ultrapassar tais dificuldades. Assim, aprendemos com os processos possíveis e com as improvisações que a vida nos faz ter. No fim, o que temos, em ambos os casos, é aquilo que cotidianamente se cunhou chamar de “experiência”.

A pedagogia aleatória parte do princípio de unir essas duas pontas: o aprendizado que podemos fazer diante de um outro, simultaneamente com um aprendizado que fazemos com aquilo que se interpõe diante de nós: com o aleatório. Neste sentido, saímos da ideia de experiência do senso comum, e tratamos ela na linha do que pensava Walter Benjamin, como uma intensidade, um átimo de potência no presente que se atualiza no corpo. Ou, como poderia dizer Nietzsche, como o intempestivo, aquilo que é imprevisto, que está por fora da “história”, ou, como poderia dizer Deleuze, como uma linha de fuga que aponta diretamente para um conceito de origem, dissociado da ideia de gênese: o aprendizado não nasce, mas ele é produzido. Aleatoriamente, mas produzido.

A pedagogia aleatória une, ao mesmo tempo, a possibilidade de um aprendizado que se dá, a partir de uma lógica da tradição: em que há um saber que alguém detém e que ele pode ser passado a outro, um aprendiz, mas partindo do princípio de que esse saber não está dado, ele não é previsto a priori nem pode ser apontado por uma cartilha ou um manual de instituição. O saber existe mas ninguém, nem quem detém nem quem recebe, sabe que há efetivamente um saber. Neste sentido, as duas pontas se confundem: não se sabe quem está passando o saber e quem está recebendo. Desfaz-se, então, a tradição em uma espécie de escambo: a troca de dispositivos díspares, sem hierarquias, por vezes, um tanto quanto irrisórios ou fora de contexto, mas que produzem um "algo". Trata-se, obviamente, de entender o saber como um processo, mas também entende-lo como um gesto ativo, um semblante em direção a este possível, a produção de um comum coletivo e político, mas sem hierarquia: um gesto, mais do que uma ação, uma força, mais do que uma forma.

Por fim, pode-se dizer que a pedagogia aleatória desmonta uma espécie de dualidade existente no aprendizado para, de certa forma, compor uma zona em que saberes podem se dar de acordo com um evento, único, que é produzido no momento, cartograficamente, e que jamais poderá se reproduzido, pois este comum ele é instável, nem curta durabilidade, mesmo que possa propor uma intensidade.


METODOLOGIA

A pedagogia aleatória consiste na produção deste evento inicial aleatório e no aprofundamento do que aparecer neste evento. Este evento, criado por quem conduzirá o exercício, possivelmente vai gerar um pequeno eco que deve ser aproveitado para produzir, por um lado, interesse e, por outro, a própria criação do que seria esta pedagogia. A partir daí, uma série de troca de informações, conhecimentos, podem ser produzidos, assim como o estabelecimento de outras zonas para a conversa: um grupo no whatsapp, a procura de vídeos no youtube, a montagem de uma página, de um outro grupo, enfim...um jogo que, ao nascer, ganha sua independência do espaço de onde nasceu. Ao fim, pode-se produzir um enorme texto com a conversa, repleta dos hipertextos que foram criados: o processo final pode ser um gatilho, um outro começo.

O importante, neste caso, é estar aberto às possibilidades que o próprio jogo/debate pode criar, assim como a ideia de que, a qualquer momento, o exercício pode mudar de lado e tomar rumos imprevistos. Não tentar, também, centralizar o jogo em uma figura única, mas fazer com que ele se dilua na possibilidade de que conversas e aprendizados se deem de forma independente, em situações cujo gatilho gerou uma autonomia no debate que, ao fim, pode trazer algo ao todo...ou não.

Creio que, ao fim, este exercício pode conduzir a produção de um texto, provisório, repleto de todos os textos que apareceram no diálogo/conversa, abrindo, enfim, o jogo novamente. O jogo é, no fim, o próprio resultado final da pedagogia aleatória.


ETAPAS

1- Pedir que pessoas colem seus poemas favoritos em um grupo do facebook

2- Em sala de aula, pedir que pessoas da turma comentem nestes posts, apontando questões interessantes sobre o poema para que as pessoas interajam

3- Fazer com que esta interação não se dilua na rede, mas se centralize para discussões que comecem a se agregar

4- Propor a criação de outros espaços de diálogo: o whatsapp, quem sabe, ou um chat em grupo, ainda no facebook.

5- Colher outros elementos que possam contribuir com esse diálogo.

6- Fazer com que poemas e conversas de cruzem: justapondo poemas e assuntos para que um contribua para o outro

7- Efetivamente, juntar o grupo que participou da interação e propor um exercício coletivo: uma poesia coletiva? Um texto coletivo? Uma mapa de leituras? Um vídeo (pedir que enviem vídeos com trechos de poemas, opiniões?)

8 – Partir desde começo para propor outros começos e fazer o exercício sempre ter começos e meios, ainda que não tenham fins.

25 abril 2018

Pedagogia Digital: Por uma educação que junte pessoas


A formação permanente tende a substituir a escola, e o controle contínuo substitui o exame. Este é o meio mais garantido de entregar a escola à empresa.”
Gilles Deleuze, em Conversações

Conectar pessoas. Esta parece ser a máxima contemporânea das redes sociais, da velocidade ultracurta, dos aparelhos eletrônicos e de toda a tecnologia de informação de nossos tempos. Mas será?

Um passo atrás: a invenção do avião – um meio de transporte que fura o vento para encurtar espaços. Um passo atrás: a invenção do telefone – um fio com dois círculos que falam e ouvem. Um passo atrás: a invenção da imprensa – uma máquina de fazer papel com letras em larga escala. Um passo atrás: a invenção de Deus. Um passo atrás: a invenção da palavra.

Conectar pessoas. O que significa isso? Abandono a pergunta.

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Deleuze, em suas conversações, no capítulo que diz respeito a política, se debruça sobre o pensamento de Foucault, principalmente no que se refere à passagem da sociedade disciplinar – a sociedade dos espaços de aprisionamento como hospitais, escolas, prisões - para a sociedade de controle em que os confinamentos se tornam “modulações” e se incorporam dos processos de subjetivação dos sujeitos.
Voltando ao mínimo: a obra se chama Conversações. O capítulo se chama Política. A pergunta: como o modelo do capital – não no que ele tem de estrutura, mas na forma como ele se subjetiva, na medida em que o dinheiro passa a ser não um espaço físico, um banco, mas uma cifra, uma senha – promove espaços em crise, lapsos, vazios, descontinuidades, velocidades, repetições sem diferimento? O que ele impede?

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Sobre educação. Deleuze, via Focault, parece propor um olhar para escola – na passagem da sociedade disciplinar para a sociedade de controle – não mais como o lugar de poder clássico: de cima para baixo, em uma pirâmide de estruturas, mas no dissolvimento do poder em uma continuidade. Chega a dizer: na sociedade disciplinar tudo está sempre começando, na de controle nada termina. Ou seja, a educação se torna um processo que, via capital, vai se estender para a todas as instâncias da vida, com um valor como uma cifra, uma senha. Um continuum vazio. O que isto impede?

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Quando penso em cultura digital e ensino penso que uma nova forma de estar no mundo, no caso via tecnologia digitais, requer uma outra pedagogia, ou seja, uma outra maneira de formação e adaptação de seres ao mundo. Como podemos pensar em uma pedagogia digital? O que o mundo digital nos oferece que pode ser o cerne desta pedagogia?
Conectar pessoas? O aprendizado, no fim das contas, não seria um desdobramento de possíveis conexões? E sendo os espaços de cultura digital lugares de interação, não seria a tarefa de “conectar pessoas” a grande tarefa da educação digital? Penso em: diminuir hierarquias, possibilitar uma ausência de memória – como pensa Donna Haraway em Antropologia do Ciborgue – das estruturas opressivas da sociedade, possibilidade de criação de zonas de contato e, portanto, zonas de afeto. 
Conectar pessoas: não seria a educação, na cultura digital, o lugar de procurar uma outra pedagogia, ainda não explorada, mas que se baseie naquilo que os novos tempos ainda pode nos oferecer? Não seria um caminho de...novos afetos?

Ver: https://www.youtube.com/watch?v=3gSSNHO1dDs

A educação e o audiovisual: Algumas perguntas, algumas reflexões


Em nossa última aula, uma coisa que me chamou atenção foi o fato de que tivemos contato com outros modos de educação a partir de vídeos filmes, ou seja, tecnologias audiovisuais, algumas delas mantidas em redes sociais como o Youtube. Sei que esta constatação parece banal, dado o título de nosso curso e sei também que esta talvez não seja a principal mídia ou forma de propor ou propagar modos outros de se fazer educação. Entretanto, percebi que, de certa forma, há uma relação estreita entre educação e o audiovisual, tanto em programas institucionais, como em documentários e até filmes de ficção a respeito do tema. Acho que isto tem muito a dizer sobre o próprio tema.
A primeira pergunta que me faço é: como o audiovisual trata a educação? E a partir disso faço uma série de questionamentos: É possível dizer que, de um lado, modos ditos alternativos de educação são tratados com certo exotismo, ou seja, como se fosse uma particularidade de um local, de um povo, de um grupo ou da ideia genial de um sujeito em determinado espaço? Se sim, é possível concluir disso que, nesta trilha, esta educação, apesar de revolucionária e que poderia dar outros tons a educação no mundo, acaba por ficar restrita? Refaço a pergunta: Será que, com todas as boas intenções e com as boas ideias, algumas dessas obras, não tratam outras formas de educação como “revolucionárias” e, portanto, coisas distantes, da ordem da utopia – aquilo que é sem lugar – ao invés de tratarem como políticas públicas possíveis e ao alcance de cada um?
A outra pergunta que me faço é se, por outro lado, o cinema americano, de cunho obviamente capitalista, embora este termo precisa, sempre, sempre ser melhor explicado, além da visão pautada no indivíduo, não tratou de fazer a educação como o lugar de refazer o desacerto? Tento me explicar: há uma tradição do cinema americano que povoa o imaginário de pessoas ao redor do mundo cuja trama gira em torno de: uma turma tem uma série de problemas, são desordeiros, grosseiros e não dão atenção a educação. Eles depredam o espaço público e expulsam um a um todos os professores, até que chega, de repente, um professor ou professora que, aos poucos conquista e faz surgir “o lado bom” dessas pessoas. “O lado justo”. “O lado humano”. Será que não há neste cinema, me pergunto: a tentativa deliberada de dizer que a educação não é um projeto coletivo, ou seja, não faz parte de uma ideia compartilhada, se não por uma nação, mas por um grupo de pessoas que pensam a área e que, portanto, são capazes de, juntas, refazer a ordem das coisas? Será que não está em nosso imaginário de que “professores são heróis que devem ser valorizados” justamente o problema de que, se alguns devem ser valorizados ou não devem, incorporando mais uma vez a lógica meritocrática, logo, do capital?
Neste ponto, a partir desses dois lados que apontei, apesar de vislumbrar o fato de que podem existir outros que não observei aqui, minha pergunta é: como pensar a educação por fora destas duas chaves: de um lado, a educação revolucionária, mas distante, de abrangência micro em relação a maior parte da população e, de outro lado, em uma educação que se faz em todo lugar, nas comunidades, nas grandes cidades e no campo, mas de força centrada no indivíduo, meritocrática, com uma série de subjetivações capitalísticas, feitas por seres isolados diante de mundos isolados?
Para finalizar, deixo, mais uma vez, uma pergunta: Talvez, pensar a educação não seja pensar em uma questão de forma? Como abordar educação e como apontar para o ato de educar, talvez por um viés Deleuziano em que o ato de educar se daria como uma matéria sempre informe em constante formação e transformação – num movimento de territorialização e desterritorialização - com viés coletivo, que se dá a partir de semelhanças, do múltiplo, de junções, de hospitalidades, de planos comuns, ao invés de pensar, como na linha freudiana, naquilo que falta, naquilo que não temos ou naquilo que temos, mas que ainda nos falta para melhorar. Pensar na forma, como uma força mobilizadora, talvez consiga desestabilizar os dois pontos apontados acima ou, quem sabe, começar a traçar linhas que poderão ser compartilhadas, nem que seja por nós, aqui, numa sala de aula.