30 maio 2008

a maior liberdade que alguém pode ter.

momentos atrás estava dizendo a mim sobre uma angústia, mas depois, bem logo depois percebi que não falava de angústia, é ela que falava de mim e por mim e através dela eu era objeto de testes, de jogos, e que caso um dia essa angústia crescesse a ponto de fazer me matar, EU me matar, não teria feito certo, pois estaria matando a pessoa errada, não eu, mas a eu-angústia. Descobrir assim, durante uma chuva e um frio que não se é angústia, mas que ela somente fala por mim, o que além de revelador tem um lado sagrado, pois de certo modo, estou livre de mim, dela e tudo que venha depois, estou livre da minha presença e da minha ausência, estou livre mas de uma liberdade tão inconstante, tão frágil e tão escorregadia que é a maior liberdade que alguém pode ter. E que ela não me aprisione.

quase soneto da rodoviária

entre meu corpo e minha alma vago
espécie de errante de mim mesmo
no amor encontrei alguma felicidade
na felicidade encontrei amor nenhum

permaneço atento ao que me mata
e distraído pro que em mim é bom
lembro das marcas do tempo térreo
e dos andares que a memória faz

arquivos e mais arquivos de história
algumas de rir, todas de chorar
e eu, no sofrimento sempre em passo lento

jogando na vida a partida cega
que outrora me fez jovem feliz
mas que hoje sem sorrisos me encerra

27 maio 2008

trechos

E aí o grito veio. Rompeu as barreiras de espaço, as paredes, os corredores, ecoou no banheiro e mexeu com o dia. Até o sol, depois dele mandou pra cá um forte raio de calor e luz. Os galos começaram a cantar, os cavalos a relinchar e os porcos eufóricos acabaram por chamar a atenção dos cachorros que resolveram latir pra cima deles. E então depois, bem depois, as pessoas começaram a sair dos quartos

23 maio 2008

,

sorriso de canto de boca e o dia que se vai, não dói, não faz diferença, não há diferença, ou há, mas com soluções tão parecidas e tudo tão sorriso de canto de boca e o dia que se vai que não faz diferença, não há diferença, ou há, apenas uma melancolia que se assemelha a preguiça de existir porque no fundo é sempre sorriso de canto de boca e o dia que se vai

tudo pode

na vida tudo pode, entende
que tudo pode e se sacode num pagode
tirando as rimas bobas e as amigas tolas
tirando o desconhecido de outrora
tirando o tiro, tudo pode
tirando o bigode, entende
sem bode tudo pode
tudo pode

20 maio 2008

sigismundo antes

Sentado de frente para um campo aberto, que culminaria num rio lá embaixo, estava o Clarim que vestia calça e camisa pretas, justas e gastas, que mais pareciam pijamas. Olhava Rosaura que atrás de uma grande árvore mudava de roupa: primeiro jogara a longa saia para o lado, depois a blusa e agora ao terminar de apertar a cinta, buscava numa sacola umas roupas. Eram pretas também. Uma calça e um casaco que contrastavam com a camisa branca que botara por baixo. Agora amarrou os sapatos, vestiu um cinto e saiu de trás da árvore dizendo a Clarim: “E por quê você não se vestiu?”

  • Porque eu só me visto quando me mandam me vestir, como minha senhora não mandou que eu me vestisse, eu não me vesti. Por acaso, o senhor a viu?

Rosaura riu largamente, dizendo a Clarim que era ela que ali estava, não havia homem nenhum e que ela assim se vestira porque tinha uma missão. O gracioso com cara curiosa disse dando de ombros: “ói, então eu sirvo um que é dois.”, levantando-se e indo ele para trás da árvore se arrumar.

Por cima da calça preta vestiu uma xadrez colorida de verde e vermelho que por estar curta e ele estar sem meias, tinha um toque cômico, pois o fazia andar curvado. O longo casaco que vestia e cobria a calça quase que até nos joelhos era também da mesma cor e tinha botões amarelos. Depois de tudo ainda vestiu um cinto vermelho, que ajustava a casaca na cintura e um chapéu bege com uma longa pena laranja. “Estou pronto”, disse empunhando uma espada de madeira, ao mesmo tempo que Rosaura, travestida, guardava na cintura uma espada dourada e brilhante.

Iam os dois a andar, sempre com um cantil de água na mão. Rosaura um pouco desajeitada por não saber andar tal qual homem levava constantemente a mão à barriga e à espada ajeitando-se dentro do paletó. Clarim possuía uma leveza no andar e no olhar que o faziam, apesar de ir sempre atrás de sua ama, parecer mais livre, mais dono de seu destino, o que era estranho, uma vez que seus rumos estavam subordinado ao de sua patroa. Ele ia à frente, apesar de ir atrás.

Ao chegar próxima ao rio já falado, Clarim ultrapassa sua dona e começa a correr até chegar a água, Num ímpeto de alegria, vira uma ou duas cambalhotas e pára justamente a alguns centímetros da água, rindo alto, feliz. Cata um graveto e começa a fazer uma redemoinho num canto logo à margem do lago, espantando os peixes que por ali passavam. Rosaura que chega poucos instantes depois não consegue deixar de sorrir, apesar de ter um fundo olhar de preocupação, olhar que Clarim não consegue deixar de reparar:

  • Oi. Se você tá assim, com essa roupa e com essa cara, é porque não deve estar nada bom, né?

  • Ruim não está, mas pode mudar também.

Nesse instante, aparece por cima deles um enorme trenó sendo carregado por dois cavalos brancos. Clarim segura Rosaura pela mão e a leva correndo atabalhoadamente para dentro do carro, não conseguindo evitar de reparar na beleza dourada dele. Com os dois bem acomodados e um pouco nervosos, os cavalos começam a andar pela relva e pouco depois o trenó começa a levantar vôo subindo e subindo. Cada vez mais alto, chega até uma nuvem, a única que tinha naquele céu da tarde da mais bela daquela primavera. Aos poucos bem aos poucos, ele vai se tornando menor e menor até desaparecer por completo no imenso azul claro do céu, que de imóvel nos traz somente um som: o de uma risada já longínqua de Clarim.

18 maio 2008

mim

teatrólogo flamenguista de esquerda letrado ligeiramente autoritário; ciumento, bipolar, apaixonado e destro, arcaico e moderno, sentimental e rude, conservador; pequeno, talentoso, melhor como atacante que como defensor, leitor e filho, entre joão paulo II e mr catra, apaixonado por portugal e pelo rio, entre gretchen e fernando pessoa, hitler e jacksson do pandeiro; arquiteto do contemporâneo, equivalente à qualquer tensão existente, nunca a evitando.

17 maio 2008

paradigmas

Sentado na cadeira que gira
Assisto o movimento do mundo que não se mexe
Poses em fotos e vídeos sem qualidade
Nada vale a pena hoje, só ganhar
Esqueço-me do toque do telefone
Esqueço do som da campainha
Esqueço que estou dentro de casa
E dentro de mim.
Esqueço o tamanho do meu pau.

Lembro que hoje é sábado
E lembro que eu gosto de filmes
Lembro da última vez que amei
Nesse caminho de esquecer e lembrar
Vou me compondo como partitura
Desenho a desenho, nota por nota
Como quem anota só o que não pode ser.

16 maio 2008

pouco mas é

Já havia tido muitos homens, mas a nenhum chegara a amar. Estava com eles até não amá-los, quando sentia que começaria, parava na hora, largava, jogava tudo pro alto e ia para o próximo. Um dia de tanto não amar, ao assinar seu nome, não conseguiu se recordar de como chamava, seria Renata ou Vânia, Tereza talvez...não sabia. Correu ao telefone mais próximo e ligou para todos os seus ex homens juntos não amados. Como resposta obteve de cada um, um nome diferente, havia sido Carla, Fernanda, Gláucia e até Tereza. Todos queriam saber dela, como estava e por onde andava e sentiu que eles até hoje cultivavam uma beleza no passado que havia sido a história deles, assim ela foi lembrando de sua vida, de seus dias, segundo por segundo como um filme em altíssima velocidade que passava, até que ao chegar no momento atual assinou seu nome com uma certeza do que fazia que até então nunca sentira. Sabia que da próxima vez haveria de amar, ou melhor, já sentia dentro dela alguma coisa a nascer. Era pouco, mas já era amor.

selo, carimbo e retrato

existe um selo, um carimbo e um retrato
e eu ao lado de todo o resto do mundo
sou selo, carimbo e retrato
a parte errada do jogo, do mesmo
retrato em lembranças
carimbo em registros
e selo em contatos
sou o que nunca pude ser
variando ou não o tempo
sou selo, carimbo e retrato

13 maio 2008

amor que é amor

ele que atravessou o rio, como se houvesse rio, para lhe esperar do outro lado; ela que ficou às margens, olhando a partida dele de olhos tampados mas com frestas entre os dedos para que ele jamais lhe escapasse; ele que jamais quis ir e escapar; ela que queria que ele fosse, para que jamais tivesse realmente de ir, só partisse para que eles não tivessem de se partir; porque foram tantos beijos, todos enlaçados, sem conseguir largar; tantas juras trocadas e lágrimas doídas vertidas por motivos tão tolos que ele já não se recorda; e ela que ainda recorda, porque sempre recordam para ela, não consegue fingir o que sentiu e ainda rebate, pois sempre que o vê faz a mesma cara que ele intui ser de nervosa e ela sabe que ele sempre vai ser preferência, pois ele chegou fundo ao coração...e ao corpo; ele por sua vez prometeu e promete esperar por quanto tempo for preciso, até aos 80 anos, se necessário, assim como viu em "amor nos tempos de cólera"; ela vai mudar, ele sabe, mas ele não tem medo, os outros que tenham, pois ele sabe que amor não muda, e sabe que ela ama, ele é calmo quando ama, porque sabe que amor fica e mais que fica, amor que é amor espera.

11 maio 2008

o frio

o frio que é frio sempre, é mais frio meu ou frio do mundo? Porque acho que o inverno é frio de todos nós, esfriamos por completo e hibernamos, como se a primavera pedisse um tempo, uma espécie de quaresma do mundo. E como sempre esse frio que a gente reclama mas ama só faz a gente lembrar de um calor que existiu, mas que a gente já não consegue apreender o que ele fazia com a gente e por isso que esse frio é tão estático, tão pouco caótico, como se cada molécula do mundo tivesse frio e compartilhasse conosco desse estado. E como está frio, a preguiça vem e tudo fica pra depois...

hai kai (3)

Poderia até dizer aqui do meu cantinho

Que nas fazes da vida gosto de ficar sozinho

Mas só uma companhia me acalma a alma.

08 maio 2008

ente

insistentemente mente que tente ininterruptamente (e sente?); crente que a mente, poente indecente, invente um remetemente onde rente, latente e doente, a gente vente.

06 maio 2008

políticos

Somos todos políticos. Geralmente quando eu venho para cá é para fazer lamúrias de amor ou reflexões sobre o que em mim reflete independente de mim, portanto precisa de organização. Mas é que eu não havia percebido até então que todos nós somos políticos, fazemos política na vida em cada pequeno gesto. A maneira como eu ajo com as pessoas, a meneira de encarar a vida, os amigos, meus pais, de encarar a faculdade, a escola, o futebol, e até o sexo, são todas posturas políticas, cheias de colocações conservadoras, avançadas, cristãs, progressistas, reacionárias e tudo mais...
É preciso que cada um de nós perceba nosso posição política no mundo e assim, consigamos agir de alguma maneira, não em revoluções utópicas, mas atuando como agentes transformadores da gente e de quem está perto, se é que isso é possível hoje em dia quando ninguém mais olha pra outro por mais de dez segundos.

Percebi, então, depois de tudo que a maior posição política é a nossa em relação com amor. Você pode ser engajado, derrotista, radical. Pode ser o que quiser, ou o que for e não consegue mudar. E nesse sentido eu sou utópico, vejo nele uma certa salvação porque colore os dias e explica o resto. Se você não tem relação estável, você é o roberto jefferson do amor, que ora se arruma aqui, ora ali. Se você prefere só ficar e não levar nada a sério, você é a prostituta ou a modelo/atriz, ou até a BBB, que sem posição, se encaixa onde der, ou onde pagar mais. Se você é adepto aos amores impossíveis, os mais bonitos, você é marxista e, amigo, está ferrado, neguim não vai lhe entender e você vai viver por aí sozinho e sorrindo. Se você é daqueles que quer casar e ter filhos e dar casa e boa escola para os filhos, faze-los advogado e médico, você é de direita, amigo do FHC e se aos 14 anos der um carro pro filho e ensina-lo finanças você é do coronelismo e ai se escostarem em qualquer coisa sua.
Enfim, as variáveis são mil, se vocês souberem mais alguma , escrevam aqui. Quem sabe eu volte a isso para aprofundar. Gostei dessa idéia de ser político as vezes.

05 maio 2008

o traço

é como se isso fosse um diário e eu fosse obrigado a nele escrever e nesse piscar da tela e do traço me prendo e já me prendi tantas vezes que tenho a noção de que grande parte da minha vida será de frente para ele, na esperança dele trazer à tona alguma coisa que eu não sei e não vivo.

04 maio 2008

drops

O flamengo que joga hoje é o mesmo flamengo de anos e anos e anos e mesmo assim o mundo acorda diferente, com balões, fogos, hinos, cânticos, com pessoas mais felizes e mais sorridentes. É assim para os flamenguista felizes e para os de outros times que felizes são porque zoam flamenguista é por isso que todos teríamos desgostos profundos se faltasse o flamengo no mundo.

*

Corro o risco de não conseguir. Corro mas risco, conseguir. Eu penso em mim e faço por mim e eu posso não ligar para mim, mas e o outro que também sou eu, mas que não é mim? Ele que é o que o que eu fizer e sofrerá, que sofre tudo que logo rebaterá e somente nele. Na verdade, pode-se acabar com a gente mas jamais com que esse outro é da gente, ou pra gente, ou pela gente, esse outro é o que completa. Esse outro é o que faz lembrar quem a gente é, ou não...

02 maio 2008

breve ensaio sobre o amor

E assim, começamos tudo de novo! Faz tempo que não escrevo sobre o amor, é...não escrevo, apesar de nele passar meus dias pensando com tanta felicidade, esperança, gentileza, raiva, descrença, e até desespero. Tudo isso sem nunca chegar nem perto do que possa ser uma mísera conclusão. Como isso incomoda.

Acontece que algumas pequenas coisas eu já tenho certeza sobre o amor:








1-Só vale a pena quando é muito. Não acredito nesses meio amores que não interferem na vida, que não atrapalham a escola, a faculdade, o trabalho, a produção. Amor tem que atrapalhar, tem que ser chato, tem que fazer as coisas ficarem pra depois. Tem que fazer a gente não conseguir dormir porque está pensando, e no sonho tem que atordoar a gente realizando ciúmes, desentendimentos e quando a gente acordar, ainda pensando, tem que estar mais leve, pronto para amar muito e de novo no outro dia que está amanhecendo.
















2-Tem que doer. Amor que não dói não é amor. Amor é meio dor de barriga, meio gastrite, meio perna formigando, meio enxaqueca. Amor tem que fazer a gente estar sempre em risco, tem que fazer a gente se sentir mal, sem ar, tem que sufocar. Tem que fazer a gente desafiar o mundo, a mãe, o pai, o primo e até os amigos. Amar é burlar as leis comuns do dia a dia e instaurar na nossa vida uma outra lei, que ninguém vai entender, e vão até querer castigar-nos por isso, mas a gente nem vai ligar, vai estar feliz e tão distraído que vai perder tudo de vista.













3- Amor é entrega. Se você ama e não se entrega você está fadando o seu relacionamento à merda, ao buraco, aos caquinhos do que não será. Amor é matar aula, comer pizza velha, perder uma noitada, amigos, cachaça, prova, filme, uma outra menina gostosa, aniversário de família, show da banda preferida, até perder emprego é amor. Claro, que você não precisa perder tudo isso, mas tem que estar disposto, estar habilitado e disponível a perder, e depois que está pode até não perder, porque seu amor pode brigando entender. Amor está no que você tem a dar e o outro jamais terá pra devolver, se você for capaz de se doar mesmo assim, siga.

Eu poderia escrever mais e mais. Digo que isso tudo motivado por dois filmes: “Em paris” e “banquete do amor”. O primeiro muito bom, o segundo pipoca demais, mas daqueles que pegam pelo lado sentimental. "Em paris", mostra um desesperado por perder a esposa, dias e dias e dias em casa, e que no final canta uma bela canção ao telefone que meio que virou minha trilha sonora, porque eu sempre acreditei e ainda acredito nos meus amores. "Banquete de amor" me fez escrever, não pensar e me identificar tanto, mas escrever. Um dos seus personagens, Bradley, chega a dizer que se sentia como uma passagem para as mulheres, uma transição, por isso era abandonado. Ele entendeu o amor, por isso pode ser feliz. Se você está lendo isso, se é que alguém lê isso e não está entendendo sobre o amor, ou se você ler, achar tudo isso muito bonito mas na prática faz diferente, desde já eu o perdôo, poucos hão de amar assim. Digo que já tentei e é difícil. Sigamos com a vida, cerveja, emprego e coisas sem graça do dia a dia.

de uma sexta feira chuvosa

É curioso. Não sou uma pessoa que gosta de curiosidades, apesar de ser curioso. Existem curiosidades básicas na minha vida que, por serem indissolúveis, tornam-se recorrentes, ou então, pelo grande vazio que “é” “eu”, vez ou outra a gente recorre às dúvidas de sempre para matar o tédio de qualquer dia. Acompanhem a evolução do texto: curioso, curiosidade, recorrência, dúvida!... Chegamos na dúvida, e eis que as dúvidas (fui escrever eis e saiu “Elis”, a psicanálise adoraria isso, devo estar precisando da música dela) aparecem como o aprofundamento daquilo que em um dia qualquer é apenas curiosidade. Disse eu essa semana que dúvida é uma certeza que não se confirmou. Nisso eu poderia ficar horas, mas não é isso que eu quero dizer, na verdade, eu ainda não sei porque vim dizer o que eu vim dizer e, para falar a verdade, já estou dizendo. Acho curioso isso que é deixar o pensamento vaguear de vez em quando e encontrar suas próprias e próximas conecções. Como é curioso o pensamento, como é curiosa a vida, e numa sexta feira chuvosa, não há curiosidade maior do que essa minha procura de qualquer coisa para sofrer. Infelizmente, inconsciente e curiosidades, estou bem, voltem amanhã!

01 maio 2008

nosódio

fragmentos de ficção III

palavra aleatória por: Marina Monsanto

ziul diz:
fala uma palavra
qualquer uma
Marina. diz:
nosódio
ziul diz:
porque escolheste tal palavra?
Marina. diz:
porque estou com o nosódio da dengue 30 DH na minha frente, tomo ele todo dia de manhã
e ele é a minha única esperança contra dengue

***


Sem demora porque tinha todo o tempo do mundo, cruzou o umbral da porta e foi para a rua, ia como flecha ou bala, apesar de não correr; era talvez um olhar fixo num ponto futuro inexistente que lhe carregava para a frente; era um impulso ou uma vontade, era uma humanidade, e todos nós o perdoamos por isso.

E ele cruzava as praças como quem fura uma célula ainda jovem e vê todo o seu líquido fugir pela membrana rompida, mas ele não era o que fugia, era o sólido, o que havia tomado o espaço e seguia em frente. Passava também por igrejas e não as via, não sei porque disse igreja, acho que porque seja um símbolo importante de uma fé e ele não as ver demonstrava uma não fé importante, ou uma fé noutra coisa, noutro mundo, portanto a igreja que lhe passava não lhe poderia resolver nada. Igreja era conciliação e nele tudo era contraste, tensionamento.

Chega até um prédio, lê na placa: “condomínio Varsóvia”, ri do nome e entra. Lá em cima no apartamento 403, estava ela a sua espera.

  • Resolva-me, disse um deles.

  • Estou-nos resolvendo, respondeu o outro.

Entre dores e sorrisos eles se apertaram por horas e as dores no peito eram os risos do corpo e as dores do corpo eram os risos do peito. Eles se riam de si, aprenderam isso depois de anos na luta de serem felizes apenas consigo mesmo. E por fim, como remédio um do outro adormeceram abraçados, mas como um câncer ambos sonharam juntos e separados que não acordariam no dia seguinte.