26 dezembro 2013

pôr-do-sol

Não gosto de pôr-do-sol:
o céu está lá,
o sol também,
mas não há nada mais pra preencher aquele belo vazio
que cai.

16 dezembro 2013

o abraço

o som da televisão me abraça
como nenhum outro abraço:
o toque, o cheiro, o corpo
tudo se vai.
e fica eu
com meu eu
meu jeito eu
mania eu

tudo é demasiadamente eu
e vive só com o abraço
que só o som da tv
que tremula
pode me dar.

25 novembro 2013

os corais

Nunca tive coragem de abrir os olhos debaixo d'água:
sempre que tentava
doía,
ardia,
coçava.

No dia do meu suicídio,
por cima do mar,
sentia tanto medo
e tanto susto

que sem mim
meus olhos se abriram

foi aí,
pela primeira vez,
que vi os corais.

11 novembro 2013

chicote

Não gosto de chiclete
e chicote
um gruda
o outro bate.

Chiclete

Joguei meu chiclete da janela do ônibus:
ele grudou no retrovisor de um carro.

O motorista, puto, quebrou seu vidro
Atirando com sua arma em minha direção.

Meus miolos no asfalto são atropelados
pelos demais motoristas que circulam na noite.

12 outubro 2013

felicidade de fotografia 2

se é pra ser longe que seja longe 
se é pra ser perto que seja perto 
nada substitui a presença 
nem a ausência que sorri 
numa felicidade de fotografia

04 outubro 2013

rubro

de agosto a outubro
não escrevi nada
as vezes pelo gosto
as vezes pelo cobre
as vezes pelo rubro.

haikai

meu haikai
entre aiai e uiui
me fala vai e eu fui

02 agosto 2013

incitar

um cita um
outro cita outro
e o um cita o outro
e o outro cita o um
e todo mundo cita
e todo mundo é citado

e eu que nem escrevo
e não faça nada
viro pra dentro
no cio
e simplesmente
incito o fim.


("o bem" ficaria melhor no lugar de "o fim", mas me sentiria ridículo incitando "o bem")

29 julho 2013

Fotógrafa mostra série de fotos iguais que representam momentos diferentes de um ser durante a vida

A fotógrafa Luisa Bertrami D'Angelo compôs um ensaio chamado "Séries iguais de tempos diferentes" em que ela trabalha as diversas formas de se lidar com as imagens em meio ao mundo contemporâneo disperso pelas tecnologias da humanidade. A artista ressalta que foi um trabalho pesquisado durante anos onde ela pode observar o mundo de fora e reencontrar aquilo de mais profundo que havia em si, uma espécie de uma natureza inata misturada com uma racionalidade pagã. Eis o resultado da pesquisa, em uma análise feita por mim.





1- 17 anos de idade, ainda uma menina, mas quase uma mulher. Essa foto foi retirada em um momento de rara felicidade, nos fins da adolescência, em que os desejos e impulsos do florescer de um jovem corpo encontra a maturidade de um grande amor. Essa mistura de cores com o frescor da natureza dão o tom dessa época da vida.






2- Já nesse momento, está exposta toda a fúria da fotógrafa com relação a maldade humana e o descaso das autoridades. Veja as cores fortes e tonalidades destacadas se misturam com esse pequeno ser, invasor perdido, meio vítima meio algoz que representa esse interior insuflado pela injustiça que se observa rodeando nossa terra.






3- Perto da maturidade, observe como o amor materno transparece por sobre a calma natureza de uma translúcida tarde que abre os braços para receber essa nova vida que chega na terra. O amor materno, como o maior do mundo, está contido nessa foto através desse breve tracinho de sol, mas não apenas nele: extravasa de fora para dentro de todos nós!





4-Observe como essa foto é estranha: as cores não se ajustam, não se misturam, estão destacadas e esse ângulo, assim de lado, meio apressado representam a menopausa da mulher. A fertilidade que vai embora, mas traz os calores, as irritações e uma sensação estranha de que os hormônios dão uma cambalhota nos corpos, e reflete nessa cena, assim, perdida no meio do nada.


5- Por fim, o momento da despedida da vida. A fotografa consegue captar esse fino momento em que o inseto está prestes a cair de todo o verde que lhe segura e adentrar outro mundo. É o adeus desse plano para um outro, para uma outra vida, onde as coisas realmente possam dar certo e durar. No entanto, essa foto fica como marca do eterno que existe em cada um de nós.

24 julho 2013

porreta

por aí é um lugar
por onde eu vejo
que tem muito poeta na vida
pra pouco porreta na terra.

28 junho 2013

o jejum

Não gosto de jejum. Sinto uma dor que não é minha e não vem do meu corpo sempre que alguém jejua (e com isso amplio o jejum para toda proibição alimentar, incluindo os vegetarianos). Jejuar, no fundo, é rir da cara de quem não tem o que comer. É cuspir na cara do alimento, é mostrar que existe algo além daquele corpo e...aaha...

aaahhh

se e...

se aaah...


não há.

Deixa teu jejum do lado e come. Manda pra dentro, se estufa e explode, se transforme em mil mega-tons de força se espalhando mundo e viva como se a comida fosse sua religião. Come tudo e se der, jogue o garfo fora e coma a mão.

26 junho 2013

prova dos 9

a menina fez tanta tatuagem
pra aparentar alguém
pra parecer alguém
pra se tornar alguém
pra ser alguém

que perdida
no banho
resolveu procurar por baixo de si
os resquícios de quem era antes de tudo

só achou rabiscos
rascunhos
exemplos

pra tirar a prova dos 9
fez uma última tatuagem
agora final:
NDA

nenhuma
das
anteriores.

21 junho 2013

última oração

Meu maior medo agora é ir dormir e ao acordar descobrir que o Brasil sofreu um golpe. Peço, quase como numa oração que não acredito e nem sei fazer, que nossa democracia esteja guardada em nosso coração, nossa mente e em todas as nossas reflexões sobre o mundo... Que o nosso país se concentre no que lhe faz bem e, como disse Beckett, aprenda a errar melhor.

18 junho 2013

Passeata dos 100 mil - Rio de Janeiro





Fim de Tarde no Rio de Janeiro. 100 mil pessoas na rua segundo a UFRJ, a maioria de branco. A polícia que não sabe contar falou que tinha 15 mil. De um lado um grupo de pessoas cada vez maior, meio bagunçado, pintado, caótico, sorrindo, brincando, levantando cartazes e palavras de ordem. Estavam entre amigos, eram todos cidadãos lutando por um país. Dos prédios, advogados, advogadas, senhores e senhoras jogavam papel picado, piscavam as luzes e balançavam camisas, panos e bandeiras brancas. O povo marchava e gritava “Vem pra rua! Vem pra rua!”
Do outro lado de tudo isso, uns caras fardados, poucos, parados, longe, meio constrangidos por estarem ali cumprindo ordens estranhas, um tanto quanto abstratas. Pareciam perfilados demais, cartesianos demais, até mais frágeis que os manifestantes.
E éramos 100 mil. Isso é gente demais! Fechamos a Av. Rio Branco, a Presidente Antônio Carlos, a Primeiro de Março, a Candelária, a Cinelândia, a Praça XV. Nas escadarias do Theatro Municipal uma bandeira do Brasil gigante. Tudo repleto, parecia um carnaval, mas um carnaval diferente, da mudança, como se de repente descobríssemos nosso lugar do mundo e tudo ficasse claro. As pessoas de branco entenderam o recado: lutavam pela felicidade. E assim foi e assim está sendo. A juventude, e não só ela, toda na rua.
Não nos deixemos enganar: onde não havia polícia, não havia problema, não havia bagunça! E o resto era só paz, era só amor e a sensação de que o Brasil está mudando!

Postado originalmente para a cobertura do evento da Literatortura

13 junho 2013

Polícia de Sâo Paulo chama Mc Anitta para ajudar na contenção de manifestantes



A polícia militar de São Paulo afirma em nota que convidou Mc Anitta para participar da contenção dos protestos que ocorrem sucessivamente na cidade pela baixa dos preços das passagens de ônibus. De acordo com o comandante da operação, faz-se mister chamar a artista por conta de sua experiência na área. Um policial que não quis se identificar explicou a decisão:

- É como diz a canção dela: "Meu exército é pesado, a gente tem poder". Não poderíamos desperdiçar uma ajuda dessa, ainda mais que com toda composição física, creio que qualquer disputa por preço de ônibus fica em segundo plano.

12 junho 2013

bravinha

gracinha,
uma coisinha a toa que ri
um tanto tontinha em mim
dos carinhos perdidos
entre a Dutra
e a Serra das Araras

gracinha,
dos beijos e abraços longos
das ligações embriagadas as 4
e da palavra que fica guardada:

bonita
gracinha.
minha
bravinha.

04 junho 2013

28 maio 2013

psiu

o inocente fazia poesia como quem arava terra.

mas olha que maravilha:
o inocente nunca havia arado terra alguma
e sua poesia estranhamente
fazia psiu.

27 maio 2013

Tráfego aéreo de pássaros causa mortes em Congonhas




Os moradores do entorno do aeroporto de Congonhas tiveram uma surpresa ao acordar nessa manhã. Eles se depararam com uma grande quantidade de pássaros mortos pelas calçadas e ruas da cidade. Sem saber o motivo, surgiram boatos de que os animais morreram por conta da poluição do ar, fato que logo depois foi desmentido pela polícia. Via disque denúncia, uma voz que se dizia ser um papagaio informou que os pássaros haviam morrido por conta do tráfego aéreo. Segundo ele, muitos pássaros faziam a migração do Sul do país para o litoral nordestino por conta da chegada do outono quando tiveram de enfrentar um longo tráfego aéreo. Sem poder passar ou sequer pousar pela cidade de São Paulo ficaram circulando pelo território até que o congestionamento de muitos quilômetros impediu qualquer movimento. Impedidos de voar, foram obrigados a parar e caíram ao solo causando as mortes. 
Ainda não se sabe a quantidade de vítimas, mas já se estuda a possibilidade da criação do rodízio de pássaros: em dias pares voam andorinhas e em dias ímpares voam gaivotas, fato que vem irritando os urubus que alegam privilégios e segregação racial entre as espécies.

24 maio 2013

o tempo

o problema do tempo
é que quando eu penso, ele passa
e quando eu pulso, ele poça

14 maio 2013

rapunzel XXI

Rapunzel XXI
ficou de saco cheio
mandou o príncipe tomar no cu
e aparou as me-deixas

Já o príncipe
que não nasceu Dalila,
coitado,
se fudeu.

maneta

o escritor maneta viu sua musa
contemplou e completou
a imagem que dela saía
em forma de uma poema
que ele nunca poderia escrever.

coitado do maneta,
que em frente à sua musa
não tem mão pra poesia.

nem punho.

10 maio 2013

intercedo

quando vejo uma discussão ao longe -
quantas vezes já não vimos tantas -
de cara, escolho um lado pra torcer
quase sempre o mais fraco.

às vezes, entro no meio
às vezes, espero um pouco,
então eu percebo que
tanto no meio
quanto na espera
eu intercedo.

infelizmente,
eu sempre
intercedo
tarde.

01 maio 2013

labirinto

um labirinto
é quando você resolve passsear
por dentro de si mesmo
e pelo aí de dentro
você se investiga
se questiona
se pesquisa
como a maior das ciências.

labirinto é,
no fundo,
um laboratório
íntimo.

21 abril 2013

Ed

tem coisa que não tem conversa
não tem placa e não tem assalto
não marca nem se esborracha no asfalto
e não tem conversa mesmo
nem com nem versa
nem adianta chegar com esse papo frouxo
de quem andou na rua depois das três da manhã
porque já foi o tempo que isso era poesia
agora o lance é ter carro
e zoar os a pé
e passar na poça pra molhar a moça
e pregar a peça e enfiar a piça
o resto é bobagem de centro espírita
e conversa de papo de talk

e a mocinha molhada vai falando
e imagina ela molhada inteira de carro
um metro e oitenta de molhada de carro
105 de bunda molhada de carro
12 centímetros de cavidade vaginal molhada de carro
e o carro quem dirigiu fui eu
e deixei ela molhada

é a utopia da emanuelle
e a alegria da madrugada
andar de carro e zoar os a pé

é porque isso que não tem conversa
e não adianta andar de madrugada
porque quem é e quem não é também é
ed já falou faz tempo,
mas como Jesus ninguém ouviu,
que Motta se amarra no Murphey

17 abril 2013

o mundo é um monstrinho

Cartola não disse,
mas poderia ter dito,
que o mundo não é um moinho coisa nenhuma.

Que nada, Cartola
é só olhar pro mundo pra ver
que o mundo é um monstrinho.

paráfrases

paráfrases,
não acredito em paráfrases.
no fundo é tudo cópia
e sempre piorando
decaindo
como quem cai do de

que paráfrases que nada
só acredito em poesia
que, quando possível,
para frases

15 abril 2013

Marco Feliciano afirma que “Pra Quando Chover” da Tribo de Gonzaga contém incitação ao demônio



Na noite da última sexta-feira, o deputado Marco Feliciano apareceu com mais uma de suas pérolas. Durante um culto realizado em sua igreja, ele afirmou que a música Pra Quando Chover da famosa banda petropolitana de forró chamada Tribo de Gonzaga escondia em seu refrão uma incitação ao que ele chama de “forças do inferno.” Afirmou:

- “Os compositores dessa banda se fazem de bons moços, dizem pregar o bem e a alegria, mas escondem em suas letras manifestações claramente demoníacas. O refrão de uma canção que todos acham dizer “e se chover a gente dança no toró”, na verdade, diz nada mais nada menos que “e se exu ver a gente dança no toró, se fizer sol a gente feito um só.” 

Um dos compositores da canção, o letrista Luiz Ribeiro, via email, afirmou não ter tido conhecimento do polêmico comentário do pastor, mas que de qualquer forma não vê problema em que exu assista qualquer dança que se faça na chuva porque é a favor da pluralidade religiosa. Completa também dizendo que Exu, além de ver, poderia chamar a Maria Padilha para uma dança, assim todas as entidades podem também celebrar a festa que é a música e a cultura sincretista brasileira.

06 abril 2013

despedida do facebook

vou sair pra ler
quero ler
e vou sair
pra ler
pq sou leitor
de livros
que são lidos
por quem lê
no caso
eu
o leitor

04 abril 2013

diálogos comigo

Ah, como eu tenho inveja daqueles que escrevem que não tem "nada haver".
ah, tenho...e tenho porque eles tem razão: neles não tem nada haver porque não há nada a ver mesmo, estão mesmo vazios desde a existência até a visão.

mas Luizantonio, você não está sendo preconceituoso com quem não pode estudar e aprender a escrever direito?

Sim, estou...ah, como estou. E até me sinto mal com isso, sabe? Mas a verdade é que eu estou na corda bomba. Não consigo afirmar nada. Não vou pro lado da direita, nem da esquerda. Sinto mais a esquerda, mas por inclinação natural, por índole do que por qualquer fato da realidade. Acontece é que eu não compro as ideias dos intelectuais. Acho essa coisa de preconceito linguístico a repetição de vários erros que a gente já cometeu. É óbvio que há preconceito linguístico, é óbvio que há língua e é óbvio que há preconceito. E há de haver com tudo haver e a ver.

Luizantonio, você está me parecendo deveras Caetanesco com esse papo que fala, fala e não fala nada.

Ora, mas eu estou falando tanta coisa, tanta coisa. Eu só estou falando coisas que não quero que sejam aderidas, nem lá, nem cá. a academia me cansa: as duas, a do corpo e a intelectual. Bom mesmo é estar em casa fazendo nada, ou então na rua bebendo. Estar na rua sóbrio é dolorido de uma dor que a gente só consegue fugir comprando alguma coisa. Por isso que eu acho que as pessoas adoram ir ao cinema: é um jeito de estar na rua e protegido.

Mas fala mais sobre esse negócio de preconceito linguístico.

Eu não. Sempre preferi ignorar a linguística que sempre me pareceu uma filosofia piorada.

Você não gosta dos linguistas?

Gosto de todos.

E dos padres?

Gosto de nenhum. Sem exceção. Sou autoritário nisso.

E a democracia?

Sempre democracia.

Acha que pode acabar o post por aqui?

Acho.

Valeuz, mano.

Valeuz ksks

03 abril 2013

2

todas as palavras que me disse estavam ocas.

construí tabas,
inventei enchentes,
afinei silêncios.

e de repente não sabia mais o que fazer sem falar.

01 abril 2013

saudade média

se me perguntam a medida da saudade,
 juro que não sei.
na verdade, até onde eu sei,
a saudade nunca foi de fazer média.

31 março 2013

amor de livraria e amor de sebo

Costumo dizer que há dois tipos de amores no mundo: amores de livraria e amores de sebo. Os amores de livraria tem um cheiro de novo, um aspecto belo, higiênico, que leva em conta o estilo e a capa, a novidade e o avanço. O dinheiro está no caminho e avança pelo gosto e pela cultura, tomando o espaço pelas cores que tomam nossos olhos.
Já o amor de sebo é menor, mais baratinho, de fundo de galeria, amor dos amantes, dos especialistas, dos despojados e dos silenciosos, dos garimpeiros e dos alérgicos. Amor desbotado pelo tempo, com alguma traça, com gatos que espantam ratos e um amarelo que dissolve em meio à poeira. Amor estranho esse de sebo, amor que tem história, viaja e já foi da mão de outros: é livre e por isso mais intenso. É um amor raro e que precisa passar por todos esses testes pra ser amor.

Eu, claro, sou adepto ao segundo e comecei a pegar alguns livros velhos aqui de casa para revender afim de comprar outros pra mim. De repente, me deparo com uma dedicatória em um deles, de não sei quem e de não sei de onde e que tem apenas uma data: 1980. Eis:

"A friend is someone you love,
someone you cannot do without,
someone you long to be close to.

a friend is love, tenderness, security
a friend is everything.

to lucy babe
with all my love

chris"


Queria tanto saber a dona desse livro ou saber quem é Lucy ou Chris. Mas não, vou revender e repassar esse amor pra frente.

25 março 2013

menina gorda

menina gorda
que corre pra emagrecer
se você correr proporcionalmente à sua gordura,
fato que vai emagrecer,
porque
não vai sobrar mais tempo pra comer.

arta

cansei de falar em palavras
pro inferno a poesia e o inferno
deixa de ser bolha e vai pra vida
e faça com que a arte arta

21 março 2013

parece que sou

e eis que tudo desaba
e o mundo que não tem canto -
que não tem aba -
inventa metáfora pra explicar o inexplicável.

eu pulei o muro, saí de casa, sorri e me matei.
que explicação tem?
que dizer pros meus pais,
pros meus amigos
e pra quem diz me amar?
nada
e nem graça tem.

e tudo desaba em água
e só o que a gente pensa é nos outros
e na gente que é os outros
e nos outros que são a gente.

e puta, que merda
que fedor que é viver.
parece que voltei pro caixão
parece que sou micróbio
parece que larva
parece que lava
parece que sou terra
parece que souterrado.

14 março 2013

Amor é tudo que você precisa (2011)

Imagine observar o mundo de dentro de uma nave espacial e vê-lo lá de longe, pequeno, frio, insensível a qualquer tipo de coisa que aconteça com qualquer um de nós. Agora, aos poucos, imagine-se se aproximando da Terra, dando um zoom, chegando cada vez mais perto, e de aproximação em aproximação ir percebendo os detalhes, primeiro as diferenças de cores, depois as montanhas e o asfalto, as colinas e as geleiras. Depois ainda mais próximo, os prédios, os carros, os barcos, as árvores, as pessoas. Por fim, bem de perto poder ver cada ser individualmente, nos seus mínimos detalhes, seus pequenos dramas e conflitos, suas necessidades básicas e suas pequenas tragédias da inescapável condição que é viver.





Leia na íntegra em:

Resenha: "Amor é tudo que você precisa"

01 março 2013

esse poema

eu olho para um gesto e perco
encaro um olhar e mato
a vida me dá a impressão
de que tudo que toco é fraco.

acho o poema ruim e remendo
me sinto cozendo os fundilhos de um fato
aí eu me lembro que esse poema,
como a vida,
é também fraco.

rio

não quero ser perseguido
não quero ser enquadrado
quero ser como um rio
que nasce sequinho
e vai desaguado.

vão do breu

ai...as palavras...

um dia ainda vou parar de escrever
e nesse dia, em silêncio,
ninguém vai saber que parei.

e quando parar vou sorrir
sabendo que sei
que em algum momento
alguém vai procurar o que escrevo
e lá vai estar nada
nem letra
nem som
nem eu:
espaço vazio
no vão do breu.

e eu, sem existir,
vou lembrar que nasci
pra fabricar meus silêncios
como quem guarda
o filho que adoeceu.

26 fevereiro 2013

travestir

Ser homem é muito pesado: ainda mais pequeno, fraco, troncho.
E vejo tantos homens por aí tentando muito ser aquilo que não são e num esforço de tentar ser , se tornam mais pequenos, fracos e tronchos do que ainda sou.

A verdade é que pra ser homem, às vezes, a melhor maneira é se travestir.


a distância

Ás vezes vou ao teu encontro. Na maioria das vezes é você que vem ao meu. Não importa porque não existem diferenças naquilo que já é diferente e não se ousa buscar unidade naquilo que disperso é maior que condensado. A missão é se espalhar. Difícil é acreditar que sem os sonhos, os clichês e as fórmulas prontas as coisas podem dar certo. Aliás, quem disse que dar certo é relevante? Dar certo, no final das contas, é ou não é a repaginação da lógica que a gente tanto luta contra? É ou não é a composição dos piores sonhos que a humanidade já teve, mas que insiste em repetir como num vício, numa roda que nunca para de girar no topo de seu umbigo? Não sei. Sei lá. Não sei mesmo. Sei que em algum momentos não existe distância entre lá e cá, porque lá e cá são o que são, mas ainda assim podem andar juntos. Ás vezes, toda distância ca-la.

23 fevereiro 2013

"A Viagem"– Via Crucis em Loop



"Muito se fala sobre viagens, usa-se até em vão a famosa frase: “viajar é mudar a roupa da alma” para tentar traduzir o que significa esse deslocamento entre o espaço e o tempo que fazemos algumas vezes no decorrer da vida. No entanto, acho que poucos dimensionam ou conseguem dar a profundidade exata sobre o que é viajar. Creio que perdemos a capacidade de perceber que cada viagem é uma vida inteira e, assim, viajar é criar, fundar, plantar vida."






Leia o resto da resenha em:


Resenha: A Viagem - Acontece em Petrópolis

20 fevereiro 2013

Oscar 2013 - Os melhores

Após assistir todos os filmes candidatos ao Oscar, pelo menos os candidatos a Melhor Filme, resolvi fazer um Top com eles:


1- Indomável Sonhadora


O melhor filme. Sensível, belo e forte, mostra uma menina de 6 anos em um universo absolutamente hostil, intercalando seu imaginário com a conturbada relação com seu pai. Merecia o Oscar e poderia facilmente ganhar uma vez que se mantém nos moldes que a academia adora.


2 - Amor

Haneke faz uma bela obra poética sobre o amor e o envelhecimento. Ao mostrar-se mais humano, mais esperançoso e menos violento conseguiu um equilíbrio que lhe levou direto ao Oscar. Sinto-me mal ao falar desse filme porque creio que tudo que fez "Amor" ser candidato é devido a um enfraquecimento da força do diretor. Fora isso, está longe de ganhar como Melhor Filme. Deve ficar com a estatueta de Filme Estrangeiro.


3- Django Livre



Tarantino completa sua trilogia da vingança agora dando voz aos negros. Irreverente e debochado, o diretor tem mostrado cada vez mais um lado político em suas obras e por isso vem crescendo como candidato a prêmios, apesar disso o Oscar ainda está longe: a academia quer alguém que celebre seu cinema, a ironia de Tarantino que volta para si e para o cinema americano gera um abismo entre ele e as estatuetas. Deve ganhar como Roteiro Original.


4- As Aventuras de Pi


Lee faz um filme exemplar. A trama fabular e parabólica é tão poetica, simples e potente que não se sabe se está em um filme mesmo ou se retornou a infância para ouvir as histórias de Crusoé. Pi e seu Tigre formam uma das mais interessantes duplas do cinema, lutando pela sobrevivência à partir da convivência. No fim, uma despedida da fábula, a dúvida, o fim da obra. Merece e pode ganhar o Oscar, mas dificilmente será lembrado.


5- O Lado Bom da Vida

Drama com formato de comédia ou comédia em forma de drama, a obra consegue mesclar a loucura de um ser em recuperação com sua família desajustada, indo de encontro a um novo amor, também pautado por uma espécie de loucura. A empatia, a complascência, a vontade de ajuda-los em meio à risadas é inevitável. Talvez seja o filme que mais recomendaria para um público comum: mantém as fórmulas tradicionais, mas escapa delas por pouco, gerando tensão.


6- Os Miseráveis

Musical no sentido clássico: caro, pomposo, gritado com emoções exageradas e excesso de cores para contar a bela história do poeta romântico Victor Hugo. Baseado no musical homônimo da Broadway, não consegue em tela o mesmo impacto que deve haver no teatro. Fica parado, dá preguiça. Dará o Oscar de Atriz Coadjuvante para Hathaway.


7- Argo



Aflleck avança, mas ainda faz um filme fraco. Uma mistura de gêneros que não se concretiza, como se várias flechas apontassem para vários lados, mas na prática quase não se sai do centro. Vale por cinco minutos de tensão finais quando todas as energias se concentram na fuga dos refugiados. Apesar de nada ter a dizer sobre o filme, que achei "comum", é o favorito ao Oscar de melhor filme. Lamento por isso.


8- A Hora Mais Escura

Depois de Guerra ao Terror, Bigelow se manteve igual: faz filmes sobre guerras, frios, pautados nas estratégias de guerra e mais nada. É americano e acredita no poder bélico de seu país. Tenta trazer algum grau de crítica à ação, mas a obra cinza, poeirada, se torna praticamente um fardo para quem tenta assistir. Não via a hora de Bin Laden morrer pra seguir minha vida.


9 - Lincoln

O bonequinho não sai, mas eu saio. Spielberg podia parar pra sempre e vender quibes em domicílio.

19 fevereiro 2013

canhoto

nunca fui canhoto,
mas sempre fui meio torto:
fazia um gol e estatelava no chão,
ganhava um beijo e cuspia na moça.

nunca fui canhoto,
mas sempre abria porta errado
e me enrolava na tesoura.

mesmo agora quando escrevo,
sempre que escrevo,
está lá minha mão
inevitavelmente apagando
meu rastro, meu traço, meu gesto...

04 fevereiro 2013

O Lado Bom da Vida (2012)


Uma coisa que sempre me fascinou, e acho que sempre fascinará, é uma tendência natural que algumas pessoas tem de serem hereges. A heresia é interessante porque dessacraliza os conceitos, assim como Nietzsche propõe que deveria acontecer com as metáforas criativas que se cristalizam em verdades. A arte pra ele é o lugar da potência desse desarranjo conceitual, pra mim é o lugar da heresia.
O que se tem visto em arte, principalmente no cinema comercial, é a incapacidade de desvinculação das formas estabelecidas e da violentíssima máquina publicitária das grandes empresas de venda de ideais de consumo. Ao mesmo tempo, aqueles que não querem se integrar a essa máquina ou se afastam da arte pela completa incapacidade de realizar suas obras ou então passam a vida batendo cabeça na parede em busca de um lugar, pequeno que seja, nos meios de produção artística.
Algumas obras, no entanto, pegam uma tangente e de dentro do sistema fazem um filme à lá sistema, com uma eficácia tremenda, mas que, se olharmos atentamente, vamos perceber que por dentro da obra percorre um espírito crítico, irônico, debochado, desviante e, por fim, herético. É o que se pode ver em “O Lado Bom da Vida” de David O. Russell, candidato ao Oscar de Melhor Filme em 2013. A trama gira em torno de Pat (Bradley Cooper) , um rapaz que acaba de sair de um manicômio e quer retomar seu casamento, e Tiffany (Jennifer Lawrence), uma ninfomaníaca que acaba de perder o marido. O filme parece compor um pano de fundo violentamente dramático, de um rapaz que não controla os ímpetos destrutivos e, por isso, entra em embates com seu pai (Robert De Niro) , também violento e viciado em aposta em jogos. Entretanto, aos poucos, pela composição do desenrolar da história e da localização dos fatos, toda a tensão vai se desfazendo em uma divertida comédia de costumes, com eventos de situações confusas, de transformações repentinas dos estados das personagens, mostrando como a tensão se desfaz na medida em que se olha um bocado mais para dentro de cada um, ou seja, conhecer cada figura é criar empatia, afeto, carinho por cada uma delas.
O desfecho que nos remete ao também excelente filme de 2006 “Pequena Miss Sunshine” (Jonathan Dayton e Valerie Faris) é o ponto alto que garante ao filme um fresco, fazendo-o merecedor estar entre os concorrentes ao Oscar. “O Lado Bom da Vida” talvez não seja o melhor filme dentro os candidatos, nem o mais celebrado, mas se eu fosse recomendar algum, pensando em qual seria o melhor custo benefício entre entretenimento, reflexão e afeto, seria ele.

23 janeiro 2013

Os Miseráveis (2013)


A resenha de hoje fica a cargo de “Os Miseráveis”, adaptação para o cinema do musical da Broadway que por sua vez também é uma adaptação da célebre obra homônina do francês Victor Hugo. Assumo que relutei em escrever sobre o filme, fiquei com preguiça e quase me silenciei frente ao que teria de enfrentar para tal. Porém, vamos lá.
A obra gira em tonro de Jean Valjean (Hugh Jackman) que é preso por ter roubado um pão. Na tentativa de, depois de solto tentar retomar sua vida e tornar-se um homem de bem, é perseguido por Javert (Russell Crowe). A história conta também as batalhas pela liberdade do povo francês pela opressão daqueles que assumiram o poder na pós-Revolução francesa. Aparte isso estão os dramas pessoais de Fantine (Anne Hathaway) e sua filha Cosette (Amanda Seyfried ), entre outros.
Pode-se dizer que é um musical no sentido mais clássico do termo, com a diferença de que, nesse caso, o filme é 90% cantado e quase nada falado. As personagens são rasas da maneira Broadway/Hollywood, as imagens, planos, paisagens são lindas, as roupas maravilhosas e de resto muito pouco se apresenta. Despontencializa-se qualquer tipo de tensão para colocar em cena a redenção de um homem que deve fazer o bem e se redimir de todas suas falhas. Acredita-se na humanidade forçando uma epifania e uma catarse artificiais. O filme é cheio de mortes e despedidas, todas felizes, todas mais começando ciclos que encerrando vidas.
Bom, pensar esse filme na perspectiva do Oscar? Sem muitas pretensões para nada, pode no máximo dar o prêmio de melhor ator para Jackman, que tem se mostrado bom ator, o que fica praticamente impossível frente ao também chato Lincoln de Day-Lewis, inventado para o prêmio. Fora isso gostaria de destacar a falta de talento de Russel Crowe. Como disse Veríssimo, inspiradíssimo, Crowe é o ator com dois personagens: sem chapéu e com chapéu.
“Os Miseráveis” serve aos velhos e aos hiper-encantados. Serve também aos fãs de alegorias de escolas de samba.

Última digressão: "Lute", "sonhe", "espere", "ame" em um cartaz de divulgação é difícil de aguentar.

22 janeiro 2013

A Hora Mais Escura (2012)

 Caetano Veloso no álbum “Circulador de Fulô” de 92 canta ao lado de "Black or White" de Michael Jackson um poema-rap entitulado “Americanos” que em determinado momento diz:
Americanos são muito estatísticos / Têm gestos nítidos e sorrisos límpidos / Olhos de brilho penetrante que vão fundo / No que olham, mas não no próprio fundo. E destacando essa situação do brilho no olhar americano destaca também que essa felicidade sem fundo está em decadência: “Americanos sentem que algo se perdeu / Algo se quebrou, está se quebrando.”
Depois dessa introdução, que deixo como epílogo sem muitos comentários, começo a falar de “A Hora Mais Escura” (2012) de Kathryn Bigelow, vencedora do Oscar 2009 com “Guerra ao Terror” que disputava na época com o caríssimo e feliz pra foto “Avatar”. “Guerra ao Terror”, filme de um tédio sem fim - que vale apenas pelos minutos finais - é sobre desarmadores de bombas em plena guerra no Oriente Médio. Em “A Hora Mais Escura”, Bigelow se esforçou para tentar encontrar um buraco mais embaixo, uma densidade, um sentimento, alguma coisa, qualquer uma, mas novamente a experiência fracassa.
O filme que promete retratar a captura de Osama Bin Laden não consegue escapar daqueles pequenos conflitos de estado entre “uma grande funcionária (Jessica Chastain) da CIA diz descobrir algo que até então ninguém descobriu, mas é atrapalhada pelo sistema e pelo governo que não lhe dá credibilidade.” Aí o filme fica nesse chove não molha, até que o governo resolve aceitar o plano dela e todos vão atrás do Bin Laden. “A Hora Mais Escura”, de belo título, é só sobre isso: uma caçada quase no escuro, e nada mais.
A grande questão, no entanto, me parece estar naquilo que fala Caetano. O americano olha fundo no que olha, mas não no próprio fundo e aquilo que não tem fundo, não consegue perceber o outro. A noção de indivíduo americano, ou seja, quando tudo se foca em um ser, na preservação desse ser e de como ele é importante e genial, “uma vida abençoada por deus”, não cabe na questão Islâmica. Lá não há indivíduo nesse nível, não há esse conceito, essa noção, então os ataques americanos que para eles são o auge da vingança, para os muçulmanos são quase irrelevantes na perda de vidas, mas se configuram como um ato profundamente ofensivo perante sua crença. E, sem fundo, os americanos não entendem, ficam perdidos e na tentativa de contar sua própria história contra os árabes, se mostram tontos, bobos, infantis, com uma excelente máquina de guerra, mas um desenvolvimento intelectual, social e político de um nematelminto.
“A Hora Mais Escura” só serve para os americanos e para o Oscar. Qualquer outro olho em qualquer lugar do mundo vai ver aquilo tudo com suspeita, sem empolgação. Com preguiça de reinventar a si próprio, o filme e os americanos transformam aquilo que era pra ser heróico em algo particular, quase supérfluo.

21 janeiro 2013

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Enquanto uns ligam a televisão pra não ficarem muito sozinhos, eu ligo a solidão pra não ficar muito televisão.

Lobão - 50 anos a Mil

 Lobão nada tem de Lobão. Não existe no Lobão aquele que todos citam, o chato, o polêmico, o aproveitador, o mau músico. Na verdade, é interessante perceber quantos adjetivos vão se juntando na imagem construída do músico e como poucos conseguem definir qualquer coisa de sua personalidade. De drogado, de “mal social” passou a Dom Quixote: exagero de lá, exagero de cá e ele não estava nem aí.

O caminho de sua vida é entre uma infância e pré-adolescência reprimida e uma pulsante adolescência e vida adulta, de imenso esforço de quebra de qualquer amarra e resquício de velhas ideias. O que precisa ser dito é: Lobão é como qualquer um de nós e é como todos sabemos que somos ou deveríamos ser e não assumimos ser, ou evitamos ser porque não temos coragem. Ele é a potência da existência, não fica preso às pequenas velhas ideias de amor, política, conservadorismo, família, panela, jaba, pelo contrário, ele ultrapassa todas essas estruturas e se monta, isoladamente, e justamente por isso vivencia um imenso risco: o que seria da Zona Sul carioca se se encerrasse o ciclo de que todos se dão bem entre si e trocam favores para a perpetuação desse poder que parece eterno? Pra que isso se mantenha, Lobão precisa ser louco, precisam fazer dele um imenso irresponsável, um alvo, um desperdício de talento.

Não quero sair escrevendo porque estou me parecendo muito confessional, só queria assinalar, pra terminar, o afeto que esse cara transborda em tudo que faz. Como ele mesmo diz: “eu sou o normal, vocês que são muito sangue de barata.” E é verdade. Somos sangue de barata em não fazer porra nenhuma, vivemos do medo de tudo e de qualquer coisa. Nos focamos no amor e nos relacionamentos pra não sair de casa, pra não ir pra rua. Tomamos uma vodka e dizemos: “estou bem já”, porque temos um imenso medo do que a segunda e a terceira farão. Nesse esforço de manter o controle, o que fazemos é perde-lo completamente. E o controle que se vai, não é pro descontrole, pra liberdade, pra vida, mas pra entrega do controle de nossas vidas nas mãos de outros.

Não. Pode não. Lobão tem Razão. Nesse quesito, Caetano tem. E não.

(Eu tenho tanta coisa pra escrever desse livro que...outra vez, não. Qualquer coisa me chama pra uma cerveja...e eu conto.)

20 janeiro 2013

Amor (2012)



Michael Haneke é, sem sombra de dúvida, um dos principais cineastas da atualidade. Seu cinema frio, silencioso, sobre um mundo quase sempre esbranquiçado e hostil aos sentimentos, mas, no entanto, profundamente afetivo, principalmente na relação entre os corpos, traz-nos sempre uma experiência estética que ultrapassa o limite da arte e entra no campo da sociedade e da existência humana.
Só pra dar alguns exemplos para quem não o conhece, o filme “O Castelo” (1997), baseado na obra homônima de Kafka e “O Tempo do Lobo” (2003) fazem parte desse cinema que chamo atenção:  o primeiro branco e frio, o segundo violento e hostil, sem no entanto o primeiro deixar de ser hostil e o segundo deixar de ser branco. Gostaria de ressaltar isso que configurei chamar de afetividade dos corpos. Dou esse nome pelo fato das personagens não estarem muito ligadas à historicidade da outra, ao seu passado, nem tampouco com a situação atual da trama narrativa, mas sim uma ligação que se dá entre corpos, com suas vicitudes e prazeres, necessidades do instinto e do fisiológico. Esse tipo de afeto desloca a noção das relações humanas para um campo interessante de se pesquisar e que, me parece, se reflete também um bocado em “Amor” (2012) que concorre ao Oscar de melhor filme em 2013. Destaque também para a excelente interpretação também candidata ao Oscar de Emanuelle Riva.
“Amor” é a história de um casal de idosos apaixonados por músicas e pela presença um do outro quando, um dia, um lapso de tempo da mulher se releva em uma sequência de doenças que degeneram seu corpo, enquanto que o marido, frágil, faz de tudo para a manutenção da vida e da dignidade da esposa. Até certo ponto ou...até o limite.
De alguma forma, dentre os filmes que falei, esse talvez seja o menos radical de todos (e talvez por isso é que esteja entre os indicados ao Oscar), mas mesmo assim  acaba sendo uma excelente forma de conhecer um pouco do que seria o trabalho de Haneke. “Amor“ mexe com nosso horizonte de expectativa, na medida em que monta um amor que não se firma, que parece ser mais moral e ético que afetivo, mas nem por isso menos profundo, e que só consegue afetar-se nos cuidados do corpo e na relação que se dá pelo encontro com a música: as canções, o piano, os cds.
Espantou-me a indicação de Haneke ao Oscar, mas também me deixou contente. Entretanto, creio que “Amor” não tem força suficiente para combater todo o aparato hollywoodiano de promover comoções. As sutilezas do filme, os silêncios, a brancura e as câmeras estáticas, resultado de um diretor que sabe exatamente o que quer e o que não precisa fazer, resulta em uma belíssima obra, mas que perde em energia frente a infinita felicidade de energético dos estado-unidenses.

17 janeiro 2013

Argo (2012)


Uma das coisas mais importantes para quem pretende adentrar o mundo da arte, seja teatro, cinema, poesia ou o que quer que seja, é saber mapear o tamanho de si próprio. Saber até onde suas pretensões e suas ideias podem ser levadas a cabo e serem realizadas. Longe de isso querer dizer que a pessoa deve se limitar ou fazer algo que não esteja nas suas necessidades interiores, mas perceber que ela está ao serviço da arte, não a arte a serviço de seus interesses. O artista é o funcionário público da arte: serve a ela e às demandas da sociedade – sempre – em tensão.
Acho que esse é o maior erro de Argo (2012), direção de Ben Affleck, candidato a melhor filme pelo Oscar 2013. O passo é maior que a perna, a pretensão é maior que o roteiro, a proposta, a ideia, a narrativa e a história e por isso, o filme, que é absolutamente bem feito, frustra o espectador que percebe todos os potenciais desperdiçados dentro da trama.
Argo trata de um agente da CIA que precisa inventar um plano para retirar seis diplomatas americanos que estão presos no Irã na casa do embaixador canadense, após terem conseguido escapar da invasão da população local em sua embaixada. Baseado em fatos reais, a trama se passa na década de 70, quando o Xá, ditador local, é enviado para tratamento de câncer nos EUA e a população se manifesta para o retorno do comandante que deve ser julgado pelos crimes que cometeu durante sua estadia no poder.
A estratégia pensada por Tony Mendez (Affleck) é montar um fake-movie com o criador de personagens de ficção científica John Chambers (John Goodman) e o renomado produtor Lester Siegel (Alain Arkin). O fake-movie é a melhor parte do filme. No entanto, o que se vê é um colcha de retalhos entre gêneros: a trama de ação, adrenalina perseguição, agentes da CIA/partes do governo mobilizados, locação exótica em país distante, dramas pessoais dos refugiados na embaixada, problemas familiares de Mendez com sua esposa e filho, comédia na produção do fake-movie.
Acontece que, no fim, a trama de Argo, o filme falso, se torna secundária e vira um filme de ação e perseguição como qualquer outro, abandonando a excelente ideia proposta no início. O resultado: a sensação que nos fica é que Argo, o filme, é uma versão piorada da produção falsa do Argo de dentro. A duplicação, nesse caso, traz mais interesse pelo filme que não se fez do que pelo que se viu. A possibilidade de realização latente se configura em aborrecido filme óbvio. De qualquer forma, é uma bela pretensão de Affleck, que deve continuar investigando um novo cinema com mistura de gêneros, e se deixar de lado os apelos dos estúdios pelo óbvio, pode vir a produzir materiais interessantes.

15 janeiro 2013

Lincoln (2012)


Todos sabem e não é segredo nenhum que o Steven Spielberg é um diretor superestimado. Na verdade, é um chato. O próprio “Et” não passa de uma fábula melosa de um extraterreste sem muitos apetrechos além disso. Seu último longa, “Cavalo de Guerra” (2011), não passa disso também: uma história melosa de um cavalo desajeitado perdido que atravessa toda a guerra até reencontrar seu antigo dono.
Bom, fui eu ver o filme que está sendo super elogiado, recorde de candidaturas ao Oscar “Lincoln” (2012). É mais um dos filmes de Spielberg em que tudo é magistralmente feito, com todo o dinheiro que só hollywood sabe gastar, mas com uma proposta absolutamente pouco ambiciosa e pobre.
A vantagem de Spielberg, e talvez por isso a penetração que ele tem no público, é que ele ainda crê na humanidade, nas boas ideias e nos bons sentimentos. Então seu Lincoln, interpretado com bastante habilidade pro Daniel Day-Lewis, é mais um dos líderes do mundo que querem o bem de todos e buscam a união dos homens para a felicidade eterna. Esse tipo de biografia de criação de heróis políticos já está bastante desgastada desde “A Rainha” (2006) de Stephen Frears e o recente “A Dama de Ferro” (2011).
“Lincoln” é todo feito em tons escuros, quase como um filme de porão e calabouço, onde tudo é decidido nos bastidores, mas a impressão que se fica é que as sombras servem para realçar a parecença de Lewis com o presidente americano, fazendo dele aquele famoso perfil de vencedor de Oscar, bastante conhecido por Meryl Streep, no modelo “viro-outra-ganho-prêmios.”
De qualquer forma, o filme é chato. Não representa nada além do ufanismo barato dos bons sentimentos americanos. Não passa disso e Spielberg podia, aos poucos, colocar sua violinha no saco e passar somente a produtor que é onde consegue escolher melhor suas opções de trabalho.

13 janeiro 2013

Indomável Sonhadora (2012)



O pensamento do ser humano na perspectiva da sua animalidade não é novidade, apesar de ainda ser um dos maiores mistérios que temos a desvendar. No entanto, muitas vezes esse pensamento é só a produção de uma imagem, uma metáfora, uma categoria do pensamento articulado.
“Indomável Sonhadora”, péssima tradução para “Beasts of the Southern wild” não está nesse caso. A dimensão da animalidade não está no pensamento do encontro seu com o seu extrato profundo de reintegração com instintos, desejos, mas é uma animalidade como estatuto de vulnerabilidade frente a inexorabilidade da violência da vida.
Sobrevivência não é a palavra que deve ser ressaltada, mas talvez algo parecido como “vida em latência”, na tentativa de unir as pontas do corpo do homem com o movimento animal. Por isso talvez, seja bastante destacável e inteligente a utilização de uma menina de 6 anos como papel de protagonista, ou seja, um ser ainda na idade em que as noções das regras sociais e da função de cidadania ainda não estão formadas. Então, aquele ser em formação passa a ser a realização da utopia dessa força selvagem e bestial que é ressaltada no título em inglês e perde toda a forma ao ser traduzida em português por “Indomável” e termina de ser destruída com o termo “sonhadora”.
A criança, o animal, ou o animal-criança não é sonhador, pois não tem a dimensão de alteridade. Ela é o sonho, ela vive o encantamento do mundo e a pulsão desse mundo desorganizado e caótico.
“Indomável Sonhadora” é um belo filme. Deve ser visto e pensado não como o lugar dos que nada tem, mas como a força e a importância que é não ter nada e , justamente por isso, viver numa condição ímpar de estar mergulhado na  liberdade.