31 maio 2012

não fazer nada

Tem dias que eu não quero fazer nada. É difícil me fazer entender. Assim que acordei e vi que o tempo estava meio nublado pensei na hora que hoje não gostaria nem de sair da cama. Estava passando um jogo de tênis bacana e fiquei assistindo, durou quase 6 horas e, nos intervalos, eu entrava na internet pra ouvir um bocado do que as outras pessoas tinham pra dizer: quase sempre nada demais, quase sempre algo desiteresssante, quase sempre como sempre. Descobri, então, que vou ter que trabalhar sábado de manhã e que por conta disso não vou poder beber amanhã, sexta. Pensei na hora que hoje era o dia de encher a cara. Maravilha, não fazer nada durante o dia e encher a cara da noite. Aí, na hora do almoço minha mãe disse pra irmos ao banco para ver o problema que ando tendo com o cartão. Pensei que a desculpa de não fazer nada poderia me livrar disso. Falei: “po mãe, hoje eu queria ficar em casa, descansar, quase não aproveito aqui.” Ela relutou, mas aceitou. E fazer nada vai ser o que farei hoje. Troquei encher a cara por não ir ao banco. Fico em casa e, se der, não vou tomar banho. Estou com preguiça. Estava lendo um bocado e agora vou ver um filme. Quinta-feira como deve ser.

24 maio 2012

taco


Dois caras em um foco no canto da cena.

1 – Eu não vou falar isso!
2 – E por que não?
1 – Porque não. Porque só querem que eu fale o que a tradição manda, mas sabe em que a tradição manda? Em quem deixa que a tradição mande e eu não quero deixar que a tradição me mande, então não vou falar o que a tradição manda.
1 – Você anda com uns modos muito esquisitos de falar.
2 – É o que estava escrito!
1 – Então você assume que você fala o que está escrito.
2 – Sim.
1 – Tudo?
2 – Tudo.
1 – E isso agora estava escrito?
2 – Estava sim.
1 – Não estava não.
2 – Estava sim.
1 – Como você tem tanta certeza?
2 – Porque eu só falo o que estava escrito. Você sim?
1 – Eu também, falo exatamente o que estava escrito.
2 – E se a gente...é...tentasse, uma só vez não falar o que estava escrito?
1 – Será que a gente consegue?
2 – Não sei.

O 1 se afasta. Vai até a outra ponta do palco.

1 – Sabe como poderíamos fazer?
2 – Como?
1 – Falar algo assim, repentino que vem a cabeça.
2 – CHOQUE!
1 – O que?
2 – É o que me veio à cabeça: choque.
1 – Estava no texto?
2 – Não sei, acho que sim.
1 – Precisamos enfrentar isso.

Agora o 2 troca com o 1 e vai até a ponta do palco.

2 – Tenta você.
1 – O que?
2 – Falar a primeira coisa que...
1 – MOSTARDA.
2 – Oi?
1 – Falei.
2 – O que?
1 – A primeira coisa que vem a cabeça.
2 – E é mostarda?
1 – É.
2 – Por que?
1 – Não sei. Não posso dizer. Estava no texto?
2 – Acho que sim. Pelo que me lembro sim.
Os dois caminham. Pensam.

1 – Acho que sei o que a gente precisa.
2 – O que?
1 – Esquecer o texto decorado.
2 – Mas como?
1 – Sei lá. Perder a memória. Um bate na cabeça do outro e puf, esquece.
2 – Será que funciona?
1 – Podemos tentar.
2 – Mas calma...será que isso estava no texto?
1 – Acho que sim, mas talvez dê certo.

Os dois saem, cada um para um lado. Voltam cada um com um taco de baseball. Batem um na cabeça do outro, ao mesmo tempo. Os dois caem. Levantam. Se olham, estão zonzos, tentam falar alguma coisa. Não se lembram. Escuridão.

23 maio 2012

para o fluminense, nesse dia tão triste

 
Fluminense,
ó Fluminense da heróica torcida,
do time de guerreiro,
das imensas batalhas de gladiadores,
da torcida mais colorida do brasil
mas que ninguém vê
porque tem pó de arroz espalhado por todo o canto.

Ó time, ó paixão
torcida que tem gripe
porque torce pro flu.

Quantas batalhas foram perdidas em sua história?
E quantas mais vão se repetir?
Guarde aquele ódio para o rival filhote rubro-negro que se tornou tão maior
tão gigante, tão invejável e tão imbatível.

Ó tricolor
aprenda a derrota
aprenda.
E como diria um ídolo de se passado,
descansa,
“agora vai brincar no brasileirão.”

17 maio 2012

se um dia quiser me conhecer

se um dia quiser me conhecer
e de verdade o quiser
venha até minha cidade
e passe uma tarde ou um mês
pelas esculturas frias
pelos jardins molhados e construções antigas
ou passeie pelo caos do centro
e veja a calma dos livros nas estantes das poucas livrarias.

se um dia quiser me conhecer
e de verdade o quiser
venha até minha rua
e veja como ela é feia, seca e suja
e como cai aos pedaços a fábrica
que alguns anos atrás, não muitos,
enchia de orgulho e tecido
qualquer um que morava por ali.

se um dia quiser me conhecer
e de verdade o quiser
venha até minha casa
veja o jardim que meu pai decora
a piscina quase nunca limpa
a varanda gelada e aconchegante
e a vista imensa das montanhas.

se um dia quiser me conhecer
e de verdade o quiser
entre no meu quarto
sente na minha cama
liste os meus livros
tateie meu violão
leia meus papéis
ouça minhas músicas

se um dia quiser me conhecer
e de verdade o quiser
depois disso tudo vá embora
passe uma tarde ou um mês sem mim
esqueça de tudo que viu
das esculturas, das fábricas
da piscina, jardim e violão.

se um dia quiser me conhecer
venha e vá.
se voltar, voltou.
se for, foi.

11 maio 2012

pós-crise estomacal

Quando a gente fica um tempo sem um abraço, sem uma palavra mais doce, sem uma gentileza, sem um gesto carinhoso, fica na pele aquela coisa, aquele ranço, como se, aos poucos, os braços fossem enferrujando e perdendo a elasticidade, assim como se as palavras, sufocadas, ficassem mais duras e densas, e como se os gestos se tornassem mais pesados e frios.
É que o corpo se desacostuma ao outro, ou melhor se acostuma ao não-outro. Se perde em si mesmo, por dentro de si e tudo que se percebe ou se sente é aquilo que ele mesmo, amputado, não faz. A impossibilidade de nosso corpo em ser livre em relação ao outro faz dele um aleijado, um doente, um menino carente à espera da mãe. E a gente, dono do nosso corpo, vira orfão junto com ele.
Quando se deita, o corpo encontra o colchão. Vê nele uma companhia e um afago que essa noite, mais uma vez, não tem e não vem.

09 maio 2012

08 maio 2012

drama dois

em um átimo

Uma moça está sentada em frente a um laptop que está sobre uma mesa. Tem os cabelos pretos, é bonita. Usa uma calça jeans e uma camiseta azul marinho. Tem os braços abaixados na direção do corpo. Fica imóvel por um minuto, dá um suspiro, fica imóvel por mais um minuto. Leva os braços até o laptop, coloca a música “Here comes the sun” dos Beatles. Fica um minuto escutando, com as mãos imóvel sobre o laptop. Ameaça levantar e dançar. Desce as mãos. Observa a tela por um minuto, sobe uma das mãos até a área do mouse, parece que faz um desenho. Desce as mãos. Dá um suspiro. Parece entediada. Coloca um vídeo, olha para a tela e assiste. Ouvimos algumas vozes:

    Olá, estou aqui para lembrar que não é preciso olhar o tempo todo para o visor do seu equipamento. Basta observar o vídeo quando eu indicarei o exercício que você deverá realizar. Depois disso, bastará seguir o ritmo da música e a minha voz que guiará através dos números. Avisarei quando você deverá parar, repousar e quando teremos que mudar o exercício. Está pronto, podemos começar?

    A moça fecha o vídeo. Abaixa os braços. Espera um minuto, não suspira. Vira de lado, olha para a platéia. Retorna a posição inicial. A cena se repete infinitamente, ou pelo menos, enquanto se achar necessário, alterando-se a canção e a voz.

03 maio 2012

na aula 2

vou fazendo poesia na aula
como se fosse um grande poeta.
de tedio. nunca de poesia
que se faz poesia.
ela só é tal quando pronta.
antes é nada.
inclusive, agora, ela ainda não é.
pode até ser sendo
até que chega o último ponto
e ela será.
é.



foi.

na aula


cabe o desenho na página
cabe a poesia, se curta.
não cabe, porem, eu
que tentando dizer o que sinto
faço uma curvaturva
e desisto da palavra de mim
na última linha

02 maio 2012

DRAMA

em um átimo


    Um ator gordo e careca está sentado em uma cadeira no canto esquerdo do palco. Chora por 5 minutos. Interrompe-se, toma Ar por 30 segundos. Chora por mais 5 minutos. Interrompe-se, toma ar por 1 minuto. Lê:

    Venho por meio desta informar que a diligência que me levava a crer que meus fins justificavam meus meios caíram por água abaixo quando recorri a uma opção não muito didática e justa de aplicar meus métodos de utilização e transformação da plataforma que usávamos outrora enquanto aquilo que era uno podia ser considerado duplo. E que, por conta disso, me sinto profundamente movido a transformar meu gesto e me redimir de qualquer tipo de contratempo que possa vir a ter causado em sua subjetividade, inatividade, inoquidade e inexoralibidade. Sem mais, despeço-me com os mais afetuosos acenos à distância.

    Chora por 5 minutos. Interrompe-se, toma ar por 30 segundos. Chora por mais 5 minutos. Interrompe-se, toma ar por 1 minuto. Escuridão.

01 maio 2012

cometa

Tinha o impulso criativo de um cometa, mas tinha também o grande vício da preguiça. Enquanto era praticamente incapaz de se enamorar (pelo menos era isso que achava de si) desperdiçava sem palavras aquele mundo que construía na cabeça. A verdade inexorável - essa que ele sabia apenas como uma leve intuição - é que aprendera a se preservar, não se sabotando, mas se adiando. Adiar e se adiar era a melhor maneira de burlar a lógica potencialmente arrebatadora que lhe habitava. Sua casa não era de cores nem tinha efeitos psicodélicos: era quase vazia e pouca coisa circulava por lá, mas ele sabia que assim que entrasse na roda - hamster de si próprio - teria que inevitavelmente rodar e girar e correr. Então a casa que ainda não era gaiola servia apenas de albergue, de habitação provisória e, acho que somente por isso, gentil.
Até que chega um impulso criativo como um cometa e quer forçar que ele viva o plano, amadureça o fruto e entorpeça si próprio com aquilo que é sua missão. Missão é o caralho, ele diz. Senta na cama, opta pela preguiça, inventando pra si próprio que a luz fraca lhe dá sono. Desiste. Nunca foi tão forte esse rapaz.