27 setembro 2012

o mar



o mar
são traços de caneta
azul e verde
que  o papel
não aceita fixar.

26 setembro 2012

25 setembro 2012

aqui

tanta gente precisando viajar
pra ser feliz e pra sorrir.

a fronteira, o outro lado
outro país, outra cultura
e qualquer outro sonho:
tudo isso é desimportante
e sem sentido pra mim.

sorte minha
que minha felicidade
é aqui.

Literatura comparada

20 setembro 2012

Coisas que me incomodam


De vez em quando resolvo fazer esses posts que considero 1 – uma tentativa de descobrir coisas que pra mim parecem apenas intuições; 2- tentar atravessar uma barreira do óbvio nas opiniões e apresentar uma forma de ver o mundo que seja similar a dos outros, mas que ultrapasse aquilo que parece ser estabelecido.
Algo que já disse é da infantilização das pessoas e de como, cada vez mais, elas estão incapazes de aguentar e superar frustrações. A famosa ideia do carpe diem obrigou todos a se esforçarem violentamente pra serem felizes o tempo todo e assim fica impossível, ninguém aguenta mais nada e haja música de fossa, haja novos parceiros amorosos pra aguentar isso e haja velhos parceiros antigos sempre voltando pra tentar reescrever histórias que já deviam ter terminado. A literatura se tornou simplesmente um parceiro que dá conselho amoroso, a vida profissional se tornou um meio de realização social e nunca pessoal, a boa forma física vem cobrir buracos na personalidade, estudar se tornou secundário ao menos que ela se torne também forma de sedução.
Essa infantilização é muito clara na micareta. Pessoas transformaram a sexualidade que é algo sagrado em um mero jogo quase homoafetivo de relação da troca de salivas em série. O que é pra ser um objeto de que nos apoderamos pra nosso próprio prazer se torna um aprisionamento olímpico da realização sexual perfeita, da piroca mais eficaz do bairro em que, se possível, deveria haver um prêmio por um sexo tão bem feito.
E aí todo mundo é depressivo, todo dia serve pra reclamar. E o tempo? O tempo é sempre o maior inimigo que não dá pra fazer nada e o clima parece ser um vilão. As pessoas passam a se surpreender com o óbvio tal é a falta de capacidade de encarar a realidade como algo repetitivo e, justamente por isso, um arcabouço daquilo que temos que empreender engajadamente nossos desejos.


Mas minha maior reclamação de todas é sobre o paladar infantil. NADA pior que a moda dos Cupcakes. Nada mais Xuxa Meneghel que cupkcake. Cupcake é uma mistura de tivoli park com beto carreiro world com confete e brigadeiro de aniversário. É a completa realização do nada pra dentro de si mesmo. É o elefante que enfia a tromba no próprio cu e assopra. Enquanto antes as pessoas comiam chocolate quando sofriam por amor, o amor foi diluído em doses semanais de cupcake, uma espécie de barbie bailarina bezuntada no rio do Willie Wonka.
Enquanto não tomarmos consciência de porquê fazemos as coisas, vamos ficar por aí, fazendo qualquer coisa.

18 setembro 2012

a menina

não sei de que fórmula química as coisas se fazem,
nem ao mesmo sei o que se faz e o que é feito.
não entendo a criação.
não entendo o coração.

não entendo a menina que chora,
a menina que sofre,
a menina que pede desculpas.

não entendo
a menina que resolve,
todas as vezes que ama,
bater com a cabeça na parede
por escolher dentre as opções a pior.

 todos vencem,
menos a menina.



e ela acha que é estilo.

12 setembro 2012

o cheiro

poderia ter um cheiro no seu rosto, na sua pele,
ou por trás do fio dos seus cabelos que fosse seu,
que ultrapassasse a barreiras dos cosméticos
e morasse na minha roupa
depois que você dorme no meu ombro.

11 setembro 2012

shuffle



Shuffle não é um sistema, não é uma ideia, mas uma lógica. Uma lógica que vê o mundo através daquilo que é convulso, desencaixado, desorganizado, epilético. Shuffle não é contra a ordem, é conta a mistificação da ordem. Shuffle não é contra o padrão, ele desacerta o padrão para que ele reinstaure algo de revolucionário.
Shuffle não se interessa pelo novo, mas pela novidade do velho, pela nova composição daquilo que já existe. O novo para o Shuffle é da ordem do consumo. O velho é seu ponto de partida, seu universo de criação e nele é capaz de criar um mundo com tudo que já existe. Shuffle é também reciclagem, é atentar para os restos, para os escombros. Shuffle já existia antes e vai voltar no fim da lista.

10 setembro 2012

porta-bandeira



Não é fevereiro, mas a porta-bandeira veste sua fantasia, seu uniforme e se arruma da melhor maneira possível pra encantar os olhos dos outros. Carrega-se com cuidado e esmero da mais humilde simpatia e simplória humildade para nos olhos deles ser a fonte da futura felicidade.
Mal sabe a porta-bandeira que sua data passou, sua vida passou, sua alegria e todo aquele samba que encantava a si primeiro e depois os outros passou como uma torrente que primeiro trouxe a tempestade e depois a bonança que não se quis e não se esperava.
A pobre moça, feia, pobre, preta, pele ruim corpo grande demais pra ter gestos gentis, belos e ordenados, com uma completa abundância de vida que transborda e transcende a lógica racional de qualquer um que a olhe, ela, isso tudo, agora está na esquina, vestida com uma roupa tamanho padrão, também feia, mas muito colorida, está com um adesivo no peito mal colado, um olhar cabisbaixo e doído de humilhação, do papel ridiculamente necessário pra sua sobrevivência.
Ela agora segura a bandeira de um candidato a prefeito: um homem sorridente, branco, pele boa, gesto europeu, irritantemente feliz. Ela odeia aquele sujeito, mas o ama.  Ela segura sua bandeira com um olhar pra lá, pro outro mundo, como se estivesse morta naquele instante.
Ela e candidato formam uma simbiose do que impossível. Uma mistura daquilo que há de mais violento na humanidade, naquilo que reatualiza a escravidão, a servidão e tudo aquilo que a gente tenta vencer e se vê quase sempre repetindo. O candidato se acha bom pra ela, se acha capaz. Ela sabe que ele é um idiota, mas ela também sabe que o mundo é governado por idiotas e aceita isso com complacência e um sorridente olhar triste de porta-bandeira.
A porta-bandeira continua sendo porta-bandeira. Mas seu carnaval nunca mais vai voltar.

09 setembro 2012

o feriado

Uma vez você me pediu que escrevesse pra você. Eu disse que não tinha muitas coisas ainda pra dizer e quando tivesse faria com todo carinho. Agora, depois de tanta coisa, digo que não sei nem por onde começar. Talvez pela sua cara ao ver o balde do kfc com a cartinha, ou então da gente tomando um chopp e rindo de coisas idiotas como seu amor mal resolvido com calabresas, ou então da tarde completamente disperdiçada entre carinhos, cafunés e sonecas, ou os passeios por livrarias, restaurante e parques e praças em que casais não podem ficar no colo um do outro (mas a gente ficou), ou até então a gente bêbado conversando com o taxista gordo parecido com o cara do exaltasamba.
Não sei, sinceramente não sei o que dizer ou por onde começar. Talvez seja uma imagem que queira guardar de você: seu sorriso vendo friends, primeiro quando eu tava no banho e ouvia as gargalhadas e depois você no meu ombro rindo de novo de tudo que já havia rido.
Acho que eu havia dito pra você que "deixa ser como será". Depois de um feriado desse, flor, tenho que dizer, mudando um pouco: "deixa ser, um pouco, porque ser será e acho que é."
um beijo pra tu, manolo

05 setembro 2012

as mãos

Desde a primeira vez que minha mão me masturbou
pedi-a em casamento.
ofereci-a a outra, a esquerda,
que, tímida, logo se encantou com os charmes da primeira.

e aos poucos as duas começaram uma espécie de dança:
se na rua, envergonhadas, andavam longe, desencontradas,
bastava um tédio, um espera, uma missa, uma tristeza,
pras duas convulsivamente se encontrarem e se entrelaçarem
num baile erótico que as conduzia as mais belas carícias.

eu, testemunha, do furtivo amor
acompanhava essa dança
como quem acompanha a si próprio
e dançava com elas
como se fossem minhas.

aos poucos,
com  a chegada da aliança -
que só a esquerda usou -
fez-se uma tristeza,
deu-se um abandono:

a direita, livre e limpa
mantinha-se perfeita,
e dependente do contato
dos apertos de outras mãos.

já a esquerda,
amarrada ao anel,
sofria.

então as duas se separaram,
soferam.
e agora sem aliança
continuam ocasionalmente os bailes,
as danças e os encontros furtivos.

Agora mais velhas,
já não tem o mesmo talento
e desenvoltura de outros tempos.

Ainda sozinhas,
sofrem
e pra sempre sofrerão.

mas vez ou outra ainda me masturbam,
alternadamente,
com saudade de outros tempos.

04 setembro 2012

Entrevista Shuffle

Entrevista na íntegra de Letícia Knibel comigo que resultou na matéria da Revista On.


foto divulgação



Em que você se inspirou para escrever o conto Shuffle? E como surgia a ideia da peça?

Eu estava pensando muito na relação entre homem e máquina e em como hoje em dia a máquina funda uma segunda natureza no homem, fazendo parte do organismo da gente, como uma extensão de nosso corpo. Nesse sentido, a máquina, a tecnologia com suas proteses, marcapassos e até computadores e redes sociais, chegando aos simples aparelho sonoros, nos compõe e fazem parte do nosso sistema cognitivo e simbólico.
Junto disso, achei interessante pensar sobre um Ipod Shuffle: um aparelho eletrônico e, por isso, semi-artificial, que tem como função escolher aleatoriamanente a ordem das músicas que o sujeito vai ouvir. Maior simbiose entre homem e máquina impossível.
Escrevi o conto e mostrei pro Leandro Romano, membro do grupo e um dos diretores da peça que pensou na transposição da lógica shuffle para o teatro.

Qual o diferencial dessa peça e o que o público pode esperar da mesma?

Não sei se falaria em diferencial porque praticamente tudo já foi feito em termos de arte. Mas o bacana da peça é que o ator em cena atua de acordo com as música que o Ipod Shuffle tocar. Ele opera o Ipod que escolhe músicas e cada música representa uma cena. Assim, a peça se constrói e se desconstrói a cada dia, uma vez que ela não possui uma ordem definida previamente. Deixar a cargo do Ipod essa escolha submete o ator e a plateia à uma ordem superior de comando, ao mesmo tempo que passa uma ideia de impotência frente ao poder desse pequeno aparelho.

De que maneira a peça pretende abordar a problemática do distanciamento causado pela 'excessiva' virtualização, onde o real se afasta cada vez mais ou é substituído pelos novos meios de comunicação?

Nesse caso respondo apenas por mim e não pelo grupo. Acho que cada um deve ter uma visão diferente do caso.
A verdade é que nessa pergunta fica no ar um aspecto de demonização da tecnologia em prol de um “real” e “verdadeiro”. Em Shuffle, o que se pretende não é criticar nem elogiar a tecnologia, mas mostrar como ela é um meio que está simbioticamente ligado ao homem. Não sei até que ponto a virtualização é excessiva e também não sei se, caso seja, isso é ruim. A forma como construímos nossa subjetividade é completamente ligada à tecnologia, negar isso é ingenuidade e tentar se afastar para um contato mais pretensamente verdadeiro também é uma fuga que leva, novamente, a um caminho de virtualização de uma imagem que fazemos do natural.
Shuffle mostra como um Ipod pode manipular um homem que manipula um Ipod. Não se sabe quem manipula quem e no fundo os dois são submetidos um ao outro, como se em algum momento não houvesse qualquer diferença entre eles. Se isso é bom ou ruim, não sei.

Até que ponto as tecnologias podem influenciar ou modificar o comportamento das pessoas?

A tecnologia deve obrigatoriamente influenciar e modificar a vida das pessoas. Tudo que existe modifica e influência nossa subjetividade. De novo: se isso é bom ou ruim, não sei. Cabe a pergunta.


02 setembro 2012

em demasia

Em demasia. Essa expressão não saía da minha cabeça enquanto eu tentava ultrapassar o limite lógico entre ser interessante e ser o interesse de todos. Nunca me preocupei com o que pensam, mas sempre pensei sobre as preocupações, talvez não por uma vontade interior de expor alguma coisa minha, mas somente por uma necessidade básica de me comunicar, nem que fosse através dos problemas e preocupações em comum das pessoas.
Acontece que ser interessante era um afrodisíaco e isso me motivava a ir além de mim próprio. Não fazendo propaganda enganosa com estilos, olhares, citações, mas como motor de meu aperfeiçoamento num mundo em que a maioria parece preferir ser idiota. Ser interessante foi meu meio de sobrevivência durante muito tempo e hoje ainda o é, embora eu ache que já não o seja de maneira eloquente. Uma vida em excesso se desgasta sob os olhos dos outros e só volta a ter valor na distância.
Até que eu percebo que deixei de ser interessante e passei a ser o interesse dos outros. Que a demanda que eles tem sobre mim criou uma certa dependência, um vício e que não posso mais deixar de corresponder à essas mini expectativas. E aí a pessoa feliz e completa acha que eu posso ser um cadinho mais e a pessoa triste acha que devo ser seu pilar. E a família acha que devo ser fonte de entretenimento e os amigos fonte de energia sem fim para cervejas, piadas e sorrisos. Deixei de ser interessante e virei interesse.
Deixei de ter valor pra virar moeda de troca. Quando percebi isso com tanta força como agora me veio a expressão. Em demasia. E em demasia sigo, tentando completar os outros e me esconder.